E o tigre miou

O que era um presidente poderoso estendendo suas patas sobre o mundo inteiro virou um gatinho mimoso diante do Brasil. Disse que ia taxar 50% de tudo e, sem que ninguém pedisse, só taxou pouco mais de um terço dos produtos de exportação do Brasil para os EUA. O equivalente a 43% do valor exportado para lá. 

Gatinho mimoso mas que precisa cortar as unhas afiadas. A tarifa de 50%, mesmo que só para 35% da lista de produtos brasileiros exportados para eles, segue abusiva e torpe. Inaceitável! 

Não há motivos comerciais ou econômicos para “a grave ameaça à segurança e à economia dos Estados Unidos”,  invocada por mister Tramp, num ato hilário e doido. O caso é 200% político e as leis americanas e internacionais proíbem impor tarifas com fins políticos. Daí sua excrescência. 

 Um tribunal federal dos EUA especializado em comércio exterior foi acionado e, ao que parece, não vai deixar passar em branco a aberração.  Outro tribunal apreciará a aplicação da Lei Magnitsky, deturpada por Tramp segundo seu próprio criador. 

A que se deve o viés político? 

Ora, ao Brics e ao Pix! Antes que ao tal Jair Messias! 

O Brasil não pode ser amigo de quem não é amigo dos EUA. Punto! Na dúvida, tem primeiro que perguntar ao Tio Sam. Nenhum governo republicano do Norte se preocupou com isso, desde pelo menos 2006, quando os primeiros quatro membros do Brics firmaram a parceria. Mas hoje são 11 ou 12, e mister Tramp quer cortar as asas de todos, principalmente porque um grupo de comércio forte pode deixar o dólar na poeira, transacionando suas mercadorias e serviços em suas próprias moedas. 

Para que dólar, se serão fortes em yuans, rublos, rúpias, rands, reais  etc? E para que dólar se — e os calafrios serão intensos — o Brics criar uma moeda comum? Lastreada  em ouro e conversível como um Pix? Digital, instantânea, segura e a prova de fraudes e golpes? Como será, em breve, o nosso Drex — o Pix em versão universal? 

O Pix e o futuro Drex dão comichões e alergias no grande capital estadounidense. A população dos países do Brics é dezenas de vezes maior que a dos EUA. Dá para pensar o que acontecerá quando toda essa gente tiver um Drex, ou similar, no seu celular, prontinho para usar, grátis e parcelável, em qualquer situação? 

Cartões de crédito vão para o saco — já estão gritando por antecipação! E meios de pagamento digital das big techs, pagos, vão junto para o saco também — e elas gritam igualmente. 

O Brasil está mostrando, com o Pix e logo mais o Drex, ambos criações do nosso Banco Central, como será a moeda do futuro próximo. 

Isto não é possível! É preciso cortar as asas desse Brasil. Por isso, mister Tramp virou as baterias para cá, o flanco mais fraco do Brics. Não somos atômicos, como Rússia, China e Índia, somos de paz e não temos petróleo com a magnitude dos árabes recém convidados a entrar na parceria. 

Mas temos uma parte da população enrolada na bandeira do Inelegível, e disposta a marchar com Tramp para quebrar as próprias pernas — as deles e as do agro, até aqui a banca financista do bolsonarismo —, como se viu ontem na Avenida Paulista e em outras capitais, num domingo de máxima vergonha nacional. Um domingo de sabujos adulando o doido do Salão Oval. Uma manifestação que mais  parecia uma parada gay — com mil perdões aos milhões que lotam todos os anos a avenida Paulista. 

A mim me pareceu tal coisa ao ver sujeitos fantasiados de Thor, Tio Sam e um de anjo com cara de São Pedro, estático num carrinho puxado a mão. Outros se fantasiaram de batom vermelho carregando um batom gigante e, propositadamente, fálico. 

A diferença para uma parada gay, além do número de participantes, eram os xingamentos a Lula e Xandão, os cartazes pró Tramp e as faixas pró tarifaço! 

Foi a primeira vez na vida que vi uma manifestação política de doidos unidos em prol de um governante estrangeiro para esbodegar seu próprio país. 

Vale tudo, desde que se quebrem também as pernas de Lula e seus “comunistas”, isto é, a maioria dos trabalhadores brasileiros — aqueles que não são pobres de direita. E junto com eles vão embora também as pernas da indústria. 

Tramp, se viu, gritou de alegria: “I love Brazilians!” 

Bolsonaro e sua quadrilha só entraram nos pensamentos de mister  Tramp porque ele quer, no ano que vem, a eleição de um governo de direita no Brasil. É para posar de reizinho na América do Sul. Se não for por golpe de estado, que seja por eleição. Mas do jeito que está indo, vai reeleger Lula com precisão. As pesquisas, hoje, dão Lula na cabeça. Não eram assim dias atrás. 

Outro revés, mais próximo, deve preocupá-lo. O Tribunal americano deu sinais de que vai derrubar o tarifaço. O caso, porém, acabará indo para a Suprema Corte, onde Tramp tem maioria. Se a Corte confirmar a decisão, a Casa Branca vem abaixo. Se decidir em favor do patrão, nenhuma surpresa — mas será o último prego no caixão dos EUA enquanto modelo de democracia e estabilidade jurídica para o mundo. 

Os funerais, com certeza, não serão dos mais concorridos. 

Nelson Merlin é jornalista aposentado e, por vezes, um curioso apreciador de bolas de cristal. Em tempo, uma explicação: escrevo Trump, que em inglês vulgar significa pum, e minha máquina corrige para Tramp, que significa vigarista, trapaceiro etc. Vai ver, é porque tramp não cheira. 

4/8/2025

     

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