O problema na vida de Moleza era mais do que crise existencial. Não gostava de nada. Os pais, Moacir e Valeza (o que dera em Mo+leza), tentavam estimulá-lo a ir ao cinema… Nada conseguiam. Leitura de um livro causaria arrepios
E não é que Eugênio, eis seu nome (o destino lhe fora impiedoso), é nomeado em sua escola, por sorteio, líder de um grupo que estudaria essa novidade espantosa, a Inteligência Artificial? A escolha desagradou de alunos a funcionários, e, discretamente, aos integrantes da Diretoria. Não faltou quem falasse em fatalidade.
Alguns pais de alunos se deram ao trabalho de queixar-se ao Diretor Geral. Ponderaram que um colégio de origem religiosa, como o São Francisco de Assis, não devia tolerar os desacertos que o indicado fatalmente produziria. Sugeriram um novo sorteio, para um novo nome. Mas não havia jeito.
A Diretoria resolveu que um volume contendo a essência da IA seria entregue ao indicado, para familiarizar-se com a questão. De fato, ele recebeu um envelope, com votos de boa leitura. O que fez? Tentou empurrá-lo para um dos colegas do grêmio estudantil, no que foi mal-sucedido. Aborrecido, jogou com maus modos o envelope no chão se foi.
Na tarde da apresentação, Moleza concebeu uma ação simples. Subiria ao palco, pediria silêncio para impressionar a platéia, leria um trecho do tal volume e cairia fora. Invadiu (tal foi sua atitude) a sala do grêmio estudantil e exigiu que lhe entregassem o envelope jogado no chão. O rapaz que dias atrás o recolhera fez uma cena. Não queria liberar. Pois Moleza abriu algumas gavetas e encontrou-o. Pegou, xingou os colegas, e subiu ao palco.
Arrancou o conteúdo do envelope com raiva e, sem olhar para ele, exibiu-o. A platéia reagiu com espanto e repulsa diante do que via. Só então o palestrante notou o que tinha em mãos: uma antiga revista Playboy, com a foto escancarada de uma peladona.
Os colegas estavam vingados. Moleza foi expulso da escola.
Este conto foi originalmente publicado no blog Vivendo e Escrevendo, em 10/11/2024.