Incertezas causadas pelas ameaças do furacão Trump, ruptura do ordenamento mundial vigente há 80 anos, multiplicação acelerada da riqueza de pouquíssimos e da miséria da maioria, derretimento contínuo do gelo polar. Nada disso parece fazer parte da agenda do Congresso Nacional, aprisionado no duelo binário esquerda versus direita, sem qualquer disposição para as questões macro e com preocupação zero com os problemas dos brasileiros.
Para parcela do Parlamento tem sido fácil jogar a culpa de todos os dissabores da economia – inflação, desarranjo nas contas públicas e gastos excessivos – ao governo do presidente Lula. Mas se é fato que o Lula 3 pouco faz, nada ajuda e muito atrapalha, também é verdade que a maioria de suas excelências com assento na Câmara e no Senado não mexe um único dedo em favor do país. Gastam cada vez mais e pior, ciscando para dentro, seja para abastecer aliados ou os próprios bolsos.
Com as emendas – suspensas e agora pactuadas junto ao ministro do STF Flávio Dino, desde que tenham autoria conhecida e rastreabilidade -, o Congresso chantageou o governo, atrasando em mais de três meses a votação do Orçamento da União. Desta forma, o Executivo ficou limitado às despesas obrigatórias, impedido de dar continuidade a obras ou fazer qualquer tipo de investimento.
O volume dessas emendas bate em absurdos R$ 50 bilhões. Bem maior do que o orçamento de R$ 30,7 bilhões do Ministério dos Transportes, mais de duas vezes os R$ 22 bilhões do previsto para Justiça e Segurança Pública ou o dobro do que o governo diz que necessita para isentar o imposto de renda de todos os brasileiros que ganham até R$ 5 mil, promessa de campanha de Lula que vai encontrar muitas pedras no caminho para ser aprovada.
Lula, embalado pela máxima do PT de que “gasto é vida”, é gastador por natureza e faz pouco caso das advertências do seu ministro da Fazenda Fernando Haddad, solitário defensor de um ajuste nas contas públicas. O Congresso, por sua vez, também é esbanjador, mas dele não se cobra a conta.
Na sexta-feira de Carnaval, o recém-eleito presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), definiu novos benefícios para servidores da Casa que vão desde aumento de 22,2% no auxílio refeição à farra de um dia de folga para cada três dias trabalhados para funcionários de elite, mimo que pode ser convertido em pagamento em dinheiro – fora do teto, claro. Além do reajuste nas cotas de custeio dos senhores senadores. Rapidinho, os trabalhadores da Câmara passaram a exigir equiparação. Uma festa.
Não se sabe se o novo presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), vai segurar a onda. Mas a sua ideia para cumprir a determinação do STF de adequação das bancadas com o censo de 2022 é um indicativo e tanto: em vez de alcançar equilíbrio com redução do número de deputados de alguns estados, Motta pretende aumentar a Câmara de 513 para 527 representantes. A conta será baratinha: aumento de 2,7% no gasto anual da Casa, segundo o Instituto Millenium.
Isso em um Congresso que já consome US$ 5,3 bilhões ao ano, US$ 8,9 milhões por parlamentar, sendo o segundo mais caro do mundo de acordo com dados da União Interparlamentar (UIP). Perde apenas para o dos Estados Unidos, com custo total de US$ 5,9 bilhões, US$ 11 milhões por legislador. E é 15 vezes maior do que os US$ 561 mil de cada representante do Reino Unido.
Além da folia de gastos, a agenda de emergências do Congresso parece piada diante das crises que o planeta e o Brasil enfrentam. Nada de discutir reações às tarifas trumpistas ou projetos de controle das contas públicas e, consequentemente, redução da inflação, em especial dos alimentos, jogada nas costas do Executivo.
As prioridades são mudanças na lei eleitoral – algo que todo ano pré-eleições suas excelências fazem -, com o fim da reeleição e o temerário, para não dizer o desatino, de juntar em um único pleito a escolha de vereador, prefeito, deputado estadual e federal, governador, senador e presidente da República. Uma fórmula que faz sumir o vereador e o prefeito, sem qualquer chance de protagonismo em uma eleição presidencial; que coloca tudo e todos no controle de uns poucos poderosos. Uma aberração, inexistente na maioria dos países democráticos, que tendem a ter eleições mais amiúde, inclusive com parte do Parlamento sendo eleita no meio do mandato presidencial.
Outra “prioridade”, essa do grupo bolsonarista, é mexer na Lei da Ficha Limpa, reduzindo a inelegibilidade de condenados de oito para dois anos, ou seja, acabando com esse tipo de punição em um país com eleições bienais. Um escândalo.
No mais, três meses depois de o ano começar, está tudo pronto para as sessões de selfies e lives dos influencers-parlamentares da Câmara e do Senado. De frente para os seus celulares e de costas para o país.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 9/3/2025.
Nota do Administrador: Infelizmente, não encontrei o nome do autor da excelente foto, (SV)
Simplesmente brilhante o artigo de Mary Zaidan. Expos todo o oportunismo e a bandalheira em texto consistente e preciso.
O que resultará disso? Nada, os cara de paus estão batalhando por seus interesses, o País que se lixe.
Mary, mais uma vez, no alvo. E com louvor.