Desde o início dos anos 1980, a economia brasileira padece do mal conhecido como vôo de galinha. Ela bate as asas, levanta vôo, mas logo em seguida perde o fôlego. Essa tem sido a rotina: alternância de surtos de crescimento de curta duração com longos períodos de estagnação, recessão ou de crescimento meramente vegetativo.
Essa síndrome volta agora a se repetir, com o anúncio do PIB do segundo trimestre de 0,4%, numa clara indicação da desaceleração da economia. De antemão, já está contratado que o PIB deste ano não repetirá o feito de 2024, quando teve expansão de 3,4%. Deve registrar um crescimento pífio de 2%, como tem sido a média dos últimos 44 anos.
Quando atingiu índices mais expressivos, eles decorreram de fatores conjunturais, como o boom das commodities na primeira década do século. Na gangorra da nossa economia, juros altos e inflação se alternam constantemente. Daí vem o vôo de galinha. Como não há expansão da base produtiva, ganhos de produtividade nem investimentos públicos e privados consistentes, a inflação dispara. Para debelá-la, o Banco Central eleva os juros, o que leva à contração da economia — como acontece no momento atual.
No governo Lula, essa ciranda é alimentada por uma política voltada a fomentar o crescimento pelo crédito e pela injeção de dinheiro via programas sociais compensatórios. A fórmula usada à exaustão nos governos do PT não deu certo no passado e não está dando certo agora.
O que temos visto é o Brasil ser ultrapassado por outros países emergentes. O “milagre chinês” levou a China a se tornar em três décadas a segunda economia mundial. Éramos a sétima economia do mundo, hoje somos a décima.
A Índia ocupava a 15ª posição na economia mundial; hoje é a quarta. O “milagre indiano”, com um crescimento médio de 6% ao ano nos últimos 40 anos, se deve a reformas, investimentos e ganhos de produtividade. Isso explica por que ela nos ultrapassou.
Enquanto os investimentos no Brasil estão na casa de 17% do PIB, na Índia eles representam 30%. Mais importante: muitos desses investimentos se destinaram à diversificação tecnológica e à inserção do país nas cadeias produtivas globais.
E a Índia não é um caso isolado. Outros emergentes também conseguiram avanços expressivos. O Vietnã, nas últimas três décadas, tornou-se um pólo industrial integrado às cadeias globais de valor. A Coréia do Sul, desde os anos 1970, é exemplo de como educação, inovação e planejamento estatal podem transformar um país pobre em potência tecnológica. Mesmo na América Latina, o Chile, com todas as limitações, deu passos importantes em estabilidade macroeconômica e inserção comercial. Esses exemplos mostram que não se trata de destino imutável, mas de escolhas estratégicas. Elas podem transformar uma economia considerada atrasada em potência global.
Existem causas estruturais que funcionam como verdadeiras bolas de ferro atadas aos pés da economia brasileira, impedindo que ela decole de forma sustentada. O país convive com um quadro persistente de baixa produtividade, sem diversificação tecnológica e com tímidos avanços em inovação. A taxa de investimento fica bem abaixo de emergentes, que investem 25% ou mais. A qualidade da educação, ainda que se tenha ampliado o acesso, continua frágil e incapaz de formar mão de obra para setores de maior valor agregado. A infraestrutura precária e os gargalos logísticos atrapalham, enquanto o sistema tributário complexo e regressivo penaliza empresas e consumidores. A dependência de commodities completa esse quadro: o país surfa em ondas de bonança, mas permanece vulnerável a choques externos.
Do outro lado estão as causas conjunturais. O Brasil conviveu com juros elevados por décadas, o que encarece o crédito e desestimula investimentos. Famílias e empresas enfrentam elevado endividamento, limitando o consumo interno. A instabilidade política e fiscal, com crises sucessivas e mudanças de regras, gera desconfiança e trava projetos de longo prazo. A dívida pública, turbinada no governo Lula, impõe a necessidade de ajuste fiscal, mas os governos petistas têm aversão a medidas de austeridade, com o argumento de que “gasto é vida”.
Com a moeda estabilizada pelo Plano Real em 1995 e com a modernização do Estado, o passo seguinte seria levar adiante, com ousadia, um programa de reformas estruturantes. Faltou e falta, contudo, um projeto de nação voltado para a abertura da economia por meio de medidas liberalizantes e da inserção competitiva do Brasil no mundo.
A síndrome do vòo de galinha não é um destino, mas uma escolha. O Brasil tem ativos únicos — vasto território, biodiversidade incomparável, matriz energética renovável, agronegócio competitivo e tradição diplomática. O que falta é transformar esse potencial em estratégia de futuro: investir em educação de qualidade, apostar na inovação tecnológica, simplificar regras e tributos, integrar-se de forma competitiva às cadeias globais de valor. Só assim deixaremos de repetir ciclos de crescimento curto e instável para, enfim, deixar de assistir, do chão, ao voo de águia de outras nações.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 10/9/2025.
