Um pré-Carnaval pra lá de quente

Se é verdade que o país só começa a funcionar depois do Carnaval, a semana passada foi a exceção que comprova a regra. Brasília, em temperatura máxima, lançou fagulhas para todos os cantos. Da abertura do ano legislativo, com o presidente da Câmara Arthur Lira soltando fogo pela boca em direção ao Planalto, ao escancaramento da nefasta trama golpista do ex Jair Bolsonaro e seus militares lambe-botas. Ao mesmo tempo, foi uma semana de ouro para o presidente Lula, que tabelou com governadores de São Paulo, Rio e Minas Gerais, e domou Lira.

Ainda que não pareça, há correlação direta entre os encontros de Lula com governadores oposicionistas e as birras de Lira. Mais do que ganhos eleitorais para as disputas municipais ou para a sua reeleição em 2026, com o périplo pelos três estados mais populosos do país e com as maiores bancadas federais, Lula driblou Lira.

Para além dos afagos ao governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas, pupilo de Bolsonaro, do encontro a portas fechadas no Rio com Cláudio Castro, filiado ao partido do agora preso Valdemar da Costa Neto, e da troca de gentilezas com Romeu Zema, de Minas Gerais, está o atrelamento de obras federais de grande porte nesses estados ao apoio parlamentar.

Não se faz um túnel entre Santos e Guarujá, projeto no papel há quatro décadas, estradas e obras de infraestrutura urbana sem parcerias, e elas não se limitam ao volume de recursos de lado a lado. Mesmo que não tenham controle sobre os deputados, os governadores exercem grande influência nos votos e uma eventual atuação de cada um deles pró-governo na Câmara dos Deputados desarticula ao menos parte da chantagem lirista.

Quanto às obscenas armações de Bolsonaro, o poderoso presidente da Câmara não deu um pio. Nem mesmo prestou solidariedade protocolar ao colega Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, com prisão incluída na primeira versão da minuta golpista, excluída do documento final pelo próprio Bolsonaro, segundo a Polícia Federal.

Lula foi comedido. Sabe-se lá como, conseguiu segurar a língua e não avançar em falas sobre a operação da PF, sustentada pela Procuradoria-Geral da República e autorizada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes. Cauteloso, disse acreditar que Bolsonaro tinha participado da construção do golpe, mas que queria que o ex tivesse “a presunção de inocência” que ele, Lula, diz não ter tido.

Na sexta-feira, enquanto vinha à tona o escabroso vídeo da reunião de 5 de julho de 2022, no qual Bolsonaro e militares de seu governo insistem na pregação de fraude nas urnas e preparam os ministros para o plano A, “fazer algo antes das eleições”, ou B, “virar a mesa”, Lira tomava café da manhã com Lula, a convite do presidente.

Dizem que no encontro ele teria repetido as cobranças feitas na sessão solene de abertura dos trabalhos da Câmara, mas em outro tom, sem a postura de dono do galinheiro. Saiu do Alvorada com as promessas de que a partir de agora sua interlocução com o governo se dará com o ministro da Casa Civil Rui Costa e não mais com o desafeto Alexandre Padilha, das Relações Institucionais, e de uma linha direta com o ajudante de ordens de Lula, já que o presidente não carrega celular.

Ao que parece, Lira começou o ano legislativo cantando de galo e terminou a semana piando. Um pio tão fraco que não garante lugar nem no Pinto da Madrugada, bloco tradicional de Maceió, capital de seu estado.

Com um pré-Carnaval desses, as semanas depois da folia prometem.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 11/2/2024. 

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