Um mês para Lula esquecer

Sobram notícias ruins para o governo Lula. Abril ainda não terminou, mas está com cara de agosto, aquele mês do desgosto.

A articulação política do governo vai mal das pernas, impotente para desativar a pauta bomba em tramitação no Congresso. Se aprovada, serão mais R$ 70 bilhões que irão pelo ralo, comprometendo o já combalido equilíbrio das contas públicas. O presidente, de forma destrambelhada, deu o toque de reunir para que seus ministros corram para o Congresso para tentar evitar a catástrofe. A conferir se vai funcionar ou se, mais uma vez, irão bater cabeça.

Como desgraça pouca é bobagem, a mais nova pesquisa do Ipec confirmou que a avaliação do governo continua ladeira abaixo. Há um número capaz de tirar o sono do presidente: 42% da população avalia como ruim ou péssimo o desempenho do governo em setores vitais como segurança e saúde. Em oito áreas, apenas a educação soma pontuação positiva superior à negativa. Nas demais, o governo patina.

Na economia, onde prometia picanha no prato dos brasileiros, Lula não está conseguindo facilitar o acesso a alimentos básicos. Para 46% da população, o desempenho do governo é ruim ou péssimo no enfrentamento ao aumento dos preços. A inflação está em 3,93%, abaixo da meta, mas para a maioria das pessoas o que conta mesmo são os preços dos alimentos, da conta de luz, do gás – e esses estão pesando no bolso.

Lula atravessa uma maré ruim e tem muita culpa no cartório pelos problemas que enfrenta. Inaceitável a falta de vacinas da Covid 19. Justamente em uma seara em que anunciava fazer a diferença em relação ao ex Jair Bolsonaro. A saúde prometia ser uma vitrine do seu terceiro mandato, mas tem sido incapaz de fazer frente à epidemia da dengue e de produzir fatos positivos. Esperava-se muito da ministra Nísia Trindade, que tem acertado em combater interesses não republicanos no Ministério, mas até agora tem deixado a desejar nas entregas para a população.

O governo tropeça nas próprias pernas. Talvez o maior exemplo das trapalhadas esteja na mudança da meta fiscal. Dinamitou-se a credibilidade de sua política econômica ao revogar o compromisso de gerar um superávit primário de 0,5% no próximo ano e de 1% em 2026.

Bem ou mal, o arcabouço fiscal criou um ambiente favorável para a queda da taxa dos juros básicos e para manter a inflação dentro da meta. Mas essa conquista fica comprometida com a guinada expansionista da política fiscal.

Verdade, o arcabouço tinha na sua origem uma grave lacuna. As metas foram desenhadas para serem obtidas pelo aumento da receita, jamais pelo corte de despesas. Mas transmitia ao mercado e aos agentes econômicos, entre eles os investidores, o compromisso do governo com o controle da dívida pública por meio de metas previsíveis.

Essa previsibilidade, fator fundamental para a estabilidade econômica, foi para o espaço. O mercado já trabalha com um déficit público de 0,8% para esse ano. Projeta-se ainda que ao final do terceiro mandato do presidente a dívida pública terá rompido a barreira dos 90% do PIB.

Ao afrouxar as metas ficais, o presidente criou uma bomba de efeito retardado inibidora do crescimento sustentado. Aumento da dívida pública implica em inibição da queda da taxa de juros, alimenta a inflação e afugenta investimentos. A percepção de que o arcabouço fiscal era de mentirinha, como caracterizou o ex-presidente do Banco Central, Gustavo Loyola, compromete a credibilidade da política econômica.

Gera ainda uma zona de instabilidade. Lula pensa assegurar sua reeleição pelo aumento dos gastos públicos, mas o efeito pode ser o contrário, se transformando no grande fator de derrota eleitoral em 2026.

Seu apelo para que o ministro da Fazenda leia menos livros e frequente mais o Congresso é a confissão da falência de uma articulação política bicéfala. Fernando Haddad, registre-se, foi um dos poucos membros do governo com trânsito no Congresso, peça importante para a aprovação de projetos de interesse do Planalto. Em vez de reconhecer esse papel, Lula optou por dar um pito público no ministro.

Lula omite sua responsabilidade nas derrotas sofridas no Parlamento. Foi ele o pai do bicefalismo, onde Rui Costa deveria ser responsável pela articulação com o presidente da Câmara Arthur Lira e Alexandre Padilha com os líderes partidários. Essa fórmula se mostrou um rotundo fracasso. E a desarticulação revela um problema mais de fundo que tem a ver com a natureza política do governo.

Não se vê um governo de ampla frente democrática. A população não o enxerga assim, apesar de na sua composição participarem vários partidos. O caráter de um governo é definido pelo eixo de sua política.

No terceiro mandato de Lula esse eixo é a perpetuação da polarização com Bolsonaro, o intervencionismo na economia, o olho gordo nas estatais, gravíssimos problemas na segurança e uma política externa ditada por declarações desastrosas com apoio a ditaduras grotescas, antiamericanismo e antiocidentalismo.

Mesmo na área da educação o que tem se visto é uma gestão letárgica e assembleísta, como demonstrou o documento base contaminado por viés ideológico e propostas demagógicas que brotou da Conferência Nacional de Educação (CONAE).

Para quem Lula governa? Convém ao presidente se debruçar sobre o quadro revelado pela recente pesquisa do Ipec, segundo a qual 18% dos brasileiros se consideram de esquerda, 28% de centro e 41% de direita. Nessas condições realizar um governo que não dialogue com o campo conservador e não entenda seu universo é se condenar ao isolamento e à novas derrotas.

Em março Lula vaticinou que 2024 seria o ano de colheita de bons resultados, mas abril foi um mês para ser esquecido. Nada autoriza expectativa cor de rosa sobre os meses seguintes. O tempo passa em uma velocidade maior do que a capacidade do presidente em responder satisfatoriamente às demandas dos brasileiros por saúde, segurança, educação, alimentos com preços que caibam no seu bolso.

Não será governando para 18% dos brasileiros que Lula responderá às expectativas da população.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 24/04/2024. 

Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *