Trastes e contrastes

Muita gente queria adotar o cavalo Caramelo. Eu também. Meu problema é que eu teria que arrumar um apartamento maior. E também não sei se o síndico ia deixar entrar. 

Então, pelo sim pelo não, resolvi não ficar com o Caramelo, que já encontrou muitos amigos nas baias do hospital veterinário da Ulbra, a Universidade Luterana do Brasil, que tem sua sede na inundada Canoas, para onde foi levado após ficar cinco dias pendurado no telhado de uma casa submersa, sem comer e sem beber. Apenas olhando para a imensidão de água e lama ao redor. É melhor assim. Canoas é onde ele nasceu e criou, e onde seu dono ainda não apareceu. 

Outra que eu queria adotar é a vaquinha sem dono e sem nome que apareceu em cima do altar de uma igrejinha inundada e revirada pela enchente do Rio Taquari, no norte do estado. Mas eu teria o mesmo problema. Felizmente, Mimosa (vou chamá-la assim) também teve um bom destino, levada por gente boa para terras não inundadas. 

É um mistério como a Mimosa foi parar lá dentro. As portas da igreja estavam trancadas. Imagino que uma janela se quebrou e a fúria da água jogou-a para dentro. E lá conseguiu subir para o altar, o único lugar que estava acima da inundação. 

Também vi uma porquinha branca — não conhecia essa espécie — nos braços de sua dona. Foi a única que sobreviveu de um grupo de porquinhos que ela criava em seu sítio. Eles morreram afogados dentro da casa dela. Devem ter corrido para lá quando a água chegou carregando tudo. Imagino que a dona não estava em casa quando ela inundou.

Milhares de animais foram salvos pelos heróis da Defesa Civil, pelos voluntários, pelos 2 mil militares do  Exército, Aeronáutica e Marinha mobilizados com helicópteros, caminhões e blindados anfíbios pelo governo federal e pelo comando da Terceira Região Militar, que tem sede no Rio Grande do Sul. Pelo corpo inteiro de brigadianos da Brigada Militar, como é chamada aqui a PM. Pelos soldados do Corpo de Bombeiros da Brigada. Pelos efetivos da Polícia Civil do estado, que junto com os da Brigada partem em lanchas e canoas para os alagamentos, retiram pessoas e animais e ainda têm que correr atrás de animais de duas pernas que perambulam em bandos por aqui,  saqueando casas e lojas inundadas. 

O navio aeródromo multiuso “Atlântico”, o maior da Marinha de Guerra brasileira, chegou hoje à tarde ao porto de Rio Grande, no sul do Estado. Lá já estavam outros navios da Marinha que chegaram durante a semana. Agora, três deles vão subir a Lagoa dos Patos para atracar em Porto Alegre com centenas de toneladas de mantimentos, água potável purificada à razão de 2 mil litros por hora, e um hospital completo a bordo. 

Todo esse efetivo, mais o da Força Nacional, que também está aqui, enviada pelo governo federal, já recolheu das enchentes um número próximo de 100 mil pessoas, no momento em que escrevo estas mal traçadas. Estão em abrigos, colégios, clubes, barracas do Exército, campus universitários. 

Na Ulbra de Canoas, o reitor abriu todas as faculdades e ginásios do campus para abrigar, até agora, 7.500 pessoas. O número é maior do que a população de dois terços dos municípios gaúchos. A organização interna é impecável. Tem policiamento da Brigada e da Polícia Civil, médicos, enfermeiras, tem psicólogas, assistentes sociais e voluntários, tem professores e funcionários, todo mundo ajudando e cada um sabendo o que fazer. 

O que ninguém sabe é como e quando isso tudo vai acabar. Vem mais chuva este fim de semana e na próxima. O nível do Guaíba desceu, mas voltou a subir com as chuvas deste sábado. 

Se sobram problemas, o de que menos precisávamos era de fake news, mas essas vertem aos borbotões pelas veias de gente que não merecia ter nascido. Gente que até no plenário do Congresso Nacional verte suas fezes pela boca para atacar os salvamentos, para mentir que as notícias da imprensa e os vídeos são falsos, que as Forças Armadas não estão fazendo nada, que o Estado assiste a tudo de braços cruzados e que o povo é que está ajudando o povo. 

E milhões de pessoas acreditam neles e nesse “povo” invisível e falso. Os mesmos milhões que deram os votos aos canalhas para se elegerem e desmontarem as políticas ambientais arduamente construídas para nos proteger da sanha de assassinos do meio ambiente. 

Esses não são animais da mesma família de Caramelo, Mimosa e os porquinhos brancos. São animais de outra espécie que a ciência ainda não catalogou, mas estão por aí caçando votos para a próxima eleição, vomitando mentiras e roubando a consciência dos incautos. São  bípedes como nós, mas não são humanos. São qualquer coisa, menos gente. 

São a escória da humanidade aqui presente. E não só aqui. Estão pelo mundo todo, vadiando e se dando bem com o voto vadio dos imbecis. 

Até quando vamos deixá-los soltos por aí? Até quando vão elegê-los para as Câmaras de Vereadores, para as Câmaras estaduais e federais, para os Senados das Repúblicas? Até quando vão elegê-los para os Governos locais? 

Até quando e até onde irão os imbecis? Para onde vai o nosso Mundo? 

Nelson Merlin é jornalista aposentado e indignado. 

11/5/2024

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