Onde está Lula?

O governo Lula está como aquela música de Chico Buarque: “Carlos amava Dora que amava Pedro que amava tanto que amava a filha que amava Carlos que amava Dora que amava toda a quadrilha”.

Mas o sinal está trocado, porque todos parecem se odiar

O ministro das Minas e Energia Alexandre Silveira reclama do presidente da Petrobrás Jean Paul Prates, que se queixa do chefe da Casa Civil Rui Costa, que reclama do ministro da Fazenda Fernando Haddad e os dois não escondem a hostilidade mútua. O canto desafinado é engrossado pelo ministro da Justiça Ricardo Lewandowski e sindicalistas e entidades como a UNE protestam porque foram barrados na reunião de Lula com os movimentos sociais. Para completar a ópera, todos se queixam de Rui Costa – Lewandowiski inclusive – por se comportar como gerentão e impedir que ministros e assessores próximos tenham acesso a um presidente protegido em redoma de vidro. Ninguém ousa alertar o presidente sobre os erros que vem cometendo.

Governo é como uma orquestra. A figura do maestro é insubstituível. Sem ele, em vez de uma sinfonia instala-se uma polifonia. Ou melhor, uma cacofonia, como estamos assistindo no terceiro mandato de Lula.  O maestro terceirizou sua indelegável missão de coordenar seu governo para o chefe da Casa Civil.

O próprio presidente reconheceu: Rui Costa é seu primeiro-ministro. Em regime presidencialista inexiste essa figura. Quando um ministro exerce funções que seria do presidente, a descoordenação pode desaguar em guerra intestina, com ministros trocando cotoveladas para ocupar espaços e nacos do poder. Assim, ministros batem cabeça entre si. O governo deixa de ser um todo harmônico para se constituir em diversos feudos.

A balbúrdia da Petrobras, uma crise fabricada pelo próprio governo, tem todos esses ingredientes. Agravada, claro, pelo DNA intervencionista do presidente da República. A fritura do presidente da empresa se deu a céu aberto, orquestrada pelo ministro das Minas e Energia e pelo próprio Rui Costa. A principal empresa do país é palco de um cabo de guerra em torno do seu plano de investimentos, da distribuição de dividendos e da política de preços. Tudo isto em um momento em que o preço do barril do petróleo ultrapassou a casa de US$ 90,00 e a moeda americana superou a barreira dos R$ 5,00.

Em um mês, o governo teve duas posições absolutamente distintas em relação à distribuição de dividendos extraordinários. Primeiro, pressionou o conselho da empresa para não haver a distribuição. O ministro Alexandre da Silveira, afinado com Lula, queria que esses recursos fossem direcionados para investimentos. Voltou atrás quando o ministro da Fazenda percebeu que o governo seria o maior beneficiado pela distribuição dos dividendos, podendo engordar seu caixa para cumprir a meta de déficit zero.

Em um governo coordenado, o ministro das Minas e Energia já teria sido chamado às falas, para deixar de ser histriônico e não tratar publicamente suas divergências com o presidente da Petrobras. A cabeça do ministro está parada nos anos 50. Por ele, o Brasil só deixará de explorar petróleo quando tiver um índice de desenvolvimento humano idêntico aos dos países do Primeiro Mundo. Não está sozinho na sua visão extrativista. Lula pensa a mesma coisa. E, em meio à briga intestina, o preço da gasolina está defasado 18% em relação ao mercado internacional.

A falta de coordenação não é um monopólio da Petrobras. Na área da Saúde o Brasil enfrenta uma grave epidemia de dengue, sem que haja uma atuação sistêmica e coordenada por parte do Ministério da Saúde. O governo demorou a se alertar para a gravidade da epidemia. O presidente só despertou quando percebeu que o alastramento da dengue vem afetando a aprovação do seu governo. Mas aí a grande medida do presidente foi chamar seu marqueteiro para vender a imagem inexistente de um governo atuante no enfrentamento da doença.

Lula diz que Nísia Trindade está prestigiada, mas o PT do Rio de Janeiro continua com seu ataque especulativo, querendo a cabeça da ministra da Saúde. Motivo: os petistas não abrem mão de dar as cartas nos hospitais federais do Rio.

O governo atua como um time desconjuntado. Isso se reflete na política, área em que, no passado, Lula nadava de braçada. Tornou-se rotina o Palácio do Planalto sofrer derrotas no Legislativo. Em um Congresso empoderado, a estratégia de lotear os ministérios para garantir uma base parlamentar sólida já não funciona mais. Enquanto isso, o ministro da Articulação Institucional  Alexandre Padilha não tem interlocução com o presidente da Câmara Federal. A ponto de essa missão ter sido transferida para o ministro-Chefe da Casa Civil.

A descoordenação do governo é agravada pelo fato de Lula não ter um diagnóstico preciso sobre as causas da baixa aprovação de seu governo. Atribui tudo a uma questão de comunicação, como se o marketing político fosse capaz de responder satisfatoriamente questões que a política – ou a falta dela – não está resolvendo. Pensa que se enxertar em seus discursos a palavra fé miraculosamente se reconciliará com o eleitorado evangélico.

Padece o governo da falta de um visão estratégica adequada aos tempos atuais. O mundo e o Brasil hoje são bastante diferentes. E o passado, como cantava Belchior, é uma roupa que não nos serve mais. O governo Lula, no entanto, é mais do mesmo. Daí sua cara de mofo, de reprise de um filme já assistido várias vezes. O tempo passou em frente da janela do Palácio Alvorada e só o presidente não viu.

Positivamente, políticas públicas, como o Bolsa Família, deixaram de ser encaradas pelos brasileiros como obra de um governo, mas sim como uma política de Estado que não sofrerá solução de continuidade com a alternância de poder.

Movido por pesquisas, Lula tem a obsessão de turbinar a aprovação do seu governo. Só que com velhas fórmulas, como usar a Petrobrás para alavancar a indústria naval, ideia que não deu certo no passado e não dará agora.  Esse filme deu na Sete Brasil e no endividamento mastodôntico da Petrobras.

A antecipação da reforma ministerial passou a ser a boia de salvação. Sem uma mudança de rumos e com o presidente omisso, sem dar o ar de sua graça na missão de ser o timoneiro de um barco que teima a navegar à deriva, a crise governamental se agravará. Ela tem RG e CPF: Lula.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 10/4/2024. 

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