“Os três principais jornais brasileiros, O Globo, Estadão e Folha, criticaram as recentes decisões monocráticas do ministro Dias Toffoli, que, de canetada em canetada, vem anulando condenações por corrupção sentenciadas pela Lava-Jato e outras operações.
O Globo: ‘Não há dúvida de que a Lava-Jato cometeu excessos e que isso deve ser levado em conta ao avaliar suas sentenças e punições. Mas nada disso apaga toda a roubalheira confessada, comprovada por documentos, testemunhos e gravações. Diante de tema tão relevante sobre o passado recente, com reflexos no futuro do país, os 11 ministros do STF têm o dever de se manifestar. Não é razoável que um único juiz tenha o poder de tomar decisões tão graves sobre casos com tamanha repercussão’.
Estadão: ‘[O papel de Toffoli] é menos importante e nefasto para a institucionalidade republicana do que a omissão de seus pares no STF. Desde setembro de 2023, Dias Toffoli tem tomado uma série de decisões monocráticas em favor de empresários que confessaram graves crimes. E o fizeram não porque foram submetidos a uma terrível violência patrimonial e psicológica por agentes do Estado, mas porque foram espertos para identificar um bom negócio — os acordos de leniência e de colaboração premiada — quando estiveram diante de um. Nenhuma dessas decisões tem sido escrutinada pelo STF como instituição colegiada.’
Folha: ‘O país precisa saber quantos dentre os dez colegas de Toffoli (no STF) concordam com a lamentável opção de jogar fora numa só tacada anos de esforços para responsabilizar fraudadores do Erário, quando o correto seria descartar o joio — as faltas capitais de autoridades à frente dos casos — e preservar o trigo da punição aos crimes cometidos.’”
***
Os parágrafos acima são os iniciais de artigo de Carlos Alberto Sardenberg publicado no Globo de sábado, 25/5, com o título de “O acordão saiu. Todo mundo livre”. Por uma fantástica coincidência, esse começo do artigo é muito parecido com o esquema que uso aqui nas minhas compilações de artigos e reportagens: faço uma abertura, um lead, e em seguida transcrevo textos que considero documentos importantes – na imensa maioria das vezes publicados exatamente nos três jornalões, Estado, Globo e Folha –, que na minha opinião precisam ser registradas neste meu site.
Fazia dias eu estava justamente para coletar os editoriais dos três jornais com a justíssimo, necessário, imprescindível crítica às absurdas decisões de Dias Toffoli que favorecem os criminosos confessos. Aí veio o Sardenberg e passou na minha frente…
Bem. Logo abaixo transcrevo os parágrafos seguintes do artigo de Sardenberg, até o final. E em seguida, como faço sempre aqui nas minhas compilações, registro a íntegra dos três editoriais. (Sérgio Vaz)
***
O acordão saiu. Todo mundo livre (continuação)
Por Carlos Alberto Sardenberg, O Globo, 25/5/2024
“Todos (os três jornais) consideram as decisões de Toffoli sem base jurídica e, pois, digo eu, ditadas por interesses pessoais do ministro. Lembro: quando Lula estava preso em Curitiba, Toffoli impediu sua ida ao velório de seu irmão Vavá. Depois da eleição de Lula, Toffoli tem feito de tudo para agradar o presidente.
Os três jornais também consideram muito errado que decisões tão importantes sejam tomadas de forma monocrática. A última de Toffoli foi anular todas as ações penais contra Marcelo Odebrecht praticadas na 13ª Vara de Curitiba. Nem existe a urgência. O empresário já está solto, beneficiado pela delação premiada, aliás mantida pelo ministro do Supremo. As ações em que foi condenado, por farta e documentada corrupção, estão anuladas. Mas a delação em que Odebrecht confessa os crimes está valendo.
Isso mesmo.
No essencial, os três jornais manifestam seu espanto com o fato de as decisões monocráticas, um erro em si, permanecerem monocráticas. Por que o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, não consegue colocar tais decisões em plenário?
Porque, digo eu, estão todos os ministros, uns mais outros menos, uns por convicção outros por apatia, envolvidos no grande acordão para zerar a Lava-Jato e todo o sistema de combate à corrupção. Como é impossível dar pirueta para declarar inocentes todos os culpados, dada a avalanche de provas, recorreram às formalidades para descondenar todo mundo. Anulam-se os processos e, pronto, estão todos livres. Roubaram — isso podia antes da Lava-Jato, depois não podia, mas agora pode de novo.
Diz O Globo: “Para o cidadão comum, já sem entender as muitas mudanças de jurisprudência neste e noutros casos, essa relutância em levar a questão ao plenário corrói a credibilidade da Corte”.
Há oito anos, no auge da Lava-Jato, vazou um áudio em que o então ministro do Planejamento e senador Romero Jucá dizia a um colega: “Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria”, (por meio de um acordo), “com o Supremo, com tudo”.
Emílio Odebrecht estava pessoalmente envolvido nessa tentativa, conforme me disse, na ocasião, num longo encontro. O empresário ainda estava livre, mas logo caiu na rede e teve de fazer sua delação premiada. Hoje está livre, como seu filho. E como Jucá. O acordão demorou, mas está em pleno vigor.
***
A realidade alternativa do sr. Dias Toffoli
Editorial, O Estado de S. Paulo, 23/5/2024
A fábula sobre a Operação Lava Jato a que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli tem se dedicado a escrever nos últimos meses ganhou mais um capítulo anteontem. Monocraticamente, como se tornou habitual, o ministro declarou a “nulidade absoluta” de todos os atos processuais e investigações em desfavor de ninguém menos que o notório empreiteiro Marcelo Odebrecht, uma das figuras mais identificadas com o esquema do “petrolão” do PT.
De antemão, é preciso registrar que, fosse Dias Toffoli minimamente cioso das obrigações que as leis, a ética profissional e o senso de decência impõem à toga, ele não deveria assinar uma lauda sequer em processos envolvendo a Novonor (antiga Odebrecht) ou seus altos executivos, por absoluta suspeição. Como é público, Marcelo Odebrecht já identificou Dias Toffoli, em depoimento oficial, como sendo “o amigo do amigo de meu pai”, numa referência ao presidente Lula da Silva, à época investigado no âmbito da Lava Jato, e ao pai do empresário, Emílio Odebrecht – de fato, um amigo de longa data do petista.
Mas, ignoradas essas barreiras legais e éticas para atuar no caso, o céu se tornou o limite para a imaginação fértil do sr. Dias Toffoli, como o ministro demonstrou ao longo das 117 páginas de sua decisão. Nessa peça de realismo fantástico, o mesmo Marcelo Odebrecht que se notabilizou por seu envolvimento direto e abrangente no maior esquema de corrupção de que o Brasil já teve notícia seria, na verdade, uma pobre vítima da truculência do Estado a merecer o amparo da mais alta instância do Poder Judiciário.
Como a realidade factual é irrelevante para quem está empenhado em acomodar a História em sua agenda de ocasião, o ministro Dias Toffoli não pareceu constrangido com o fato de que Marcelo Odebrecht confessou a prática dos crimes dos quais foi acusado – em particular, o pagamento de propina para ao menos 415 políticos de 26 partidos. Espancando a lógica, o ministro manteve hígido o acordo de colaboração premiada assinado pelo empresário em seus bônus, mas tornou inválidos os seus ônus.
Zombando da inteligência alheia – ou simplesmente dando de ombros para os fatos –, Dias Toffoli quer que a sociedade acredite que um dos mais bem-sucedidos empresários do País, assessorado, portanto, por uma equipe de advogados altamente qualificados, teria sido alvo, ora vejam, de um “incontestável conluio processual” engendrado pelo então juiz Sérgio Moro e membros da força-tarefa do Ministério Público Federal em Curitiba (PR). E tudo isso com o objetivo de cercear “direitos fundamentais do requerente (Marcelo Odebrecht), como, por exemplo, o due process of law”. Tenha paciência.
Dito isso, por mais relevante que seja a participação individual do ministro Dias Toffoli nessa cruzada revisionista da Operação Lava Jato, seu papel é menos importante e nefasto para a institucionalidade republicana do que a omissão de seus pares no STF. Desde setembro de 2023, Dias Toffoli tem tomado uma série de decisões monocráticas em favor de empresários que confessaram graves crimes. E o fizeram não porque foram submetidos a uma terrível violência patrimonial e psicológica por agentes do Estado, mas porque foram espertos para identificar um bom negócio – os acordos de leniência e de colaboração premiada – quando estiveram diante de um.
Nenhuma dessas decisões tem sido escrutinada pelo STF como instituição colegiada. E é crucial para o País que o sejam o mais rápido possível. Só o plenário da Corte será capaz de sopesar as ilegalidades cometidas durante a Lava Jato e suas reais implicações nos casos individuais. Se depender apenas de Dias Toffoli, a criança será jogada fora com a água do banho.
***
Plenário tem dever de examinar decisões de Toffoli sobre Odebrecht
O Globo, editorial, 23/5/2024
Ninguém pode acusar o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), de inconsistência nas suas decisões em casos recentes de corrupção. Na terça-feira, seguindo comportamento que já configura um padrão, ele anulou os atos da Operação Lava-Jato contra Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht (rebatizada Novonor).
Em fevereiro, Toffoli suspendeu os pagamentos das multas (de R$ 8,5 bilhões) do acordo de leniência da Odebrecht com o Ministério Público na Lava-Jato. Cinco meses antes, invalidara as provas desse mesmo acordo (e, em dezembro, cancelara o pagamento de multas de R$ 10,3 bilhões noutro acordo de leniência, da J&F na Operação Greenfield). A decisão sobre o acordo da Odebrecht foi alvo de recursos, cuja análise está suspensa até que termine a renegociação dos acordos de leniência da Lava-Jato conduzida pelo ministro André Mendonça noutra ação.
Todas as decisões de Toffoli têm uma característica comum: foram tomadas de forma monocrática. Ele não infringe nenhuma norma ao examinar sozinho os recursos dos acusados. Mas comete um erro, dada a relevância do tema. Um simples pedido seu levaria os casos a plenário. É temerário que não tenham sido submetidos ao restante do STF. Para o cidadão comum, já sem entender as muitas mudanças de jurisprudência neste e noutros casos, essa relutância em levar a questão ao plenário corrói a credibilidade da Corte.
Para justificar a decisão desta semana, Toffoli voltou a lançar mão de mensagens trocadas entre o então juiz Sergio Moro e integrantes do Ministério Público obtidas ilegalmente. “Diante do conteúdo dos frequentes diálogos entre magistrado e procurador especificamente sobre o requerente, bem como sobre as empresas que ele presidia, fica clara a mistura da função de acusação com a de julgar”, escreveu. No fim do despacho, ressaltou que a declaração de nulidade dos atos praticados na 13ª Vara Federal de Curitiba, então sob o comando de Moro, não implica a anulação do acordo de colaboração firmado por Marcelo Odebrecht. Dessa forma, o empresário ainda pode usufruir os benefícios conquistados nesse acordo.
No entender de Toffoli, houve conluio entre integrantes da Lava-Jato e “certos” magistrados, acusados de ignorar o processo legal, o contraditório e a ampla defesa para garantir objetivos “pessoais e políticos”. Isso, segundo ele, é inadmissível num Estado Democrático de Direito. Ora, também é condição basilar da confiança na democracia a certeza de que criminosos confessos serão punidos com o rigor da lei.
Não há dúvida de que a Lava-Jato cometeu excessos e que isso deve ser levado em conta ao avaliar suas sentenças e punições. Mas nada disso apaga toda a roubalheira confessada, comprovada por documentos, testemunhos e gravações. Diante de tema tão relevante sobre o passado recente, com reflexos no futuro do país, os 11 ministros do STF têm o dever de se manifestar. Não é razoável que um único juiz tenha o poder de tomar decisões tão graves sobre casos com tamanha repercussão.
***
Lava Jato deve ser tema do plenário do Supremo
Editorial, Folha de S. Paulo, 23/5/2024
As instâncias mais elevadas da Justiça brasileira tomaram três decisões de grande repercussão na terça-feira (21). Duas delas, proferidas no Supremo Tribunal Federal, trataram de aspectos do legado da operação Lava Jato.
A terceira, exarada do Tribunal Superior Eleitoral, por coincidência envolvia Sergio Moro, o hoje senador pelo Paraná (União Brasil) que, ainda como magistrado, julgou em primeira instância ações da Lava Jato em Curitiba.
Coincidências à parte, o fator procedimental mais notável a distinguir essas intervenções judiciais foi a colegialidade, presente em duas delas e ausente em uma.
O plenário do TSE rejeitou os recursos do PT de Luiz Inácio Lula da Silva e do PL de Jair Bolsonaro, que pleiteavam a cassação do mandato de Moro por uma tecnicalidade no uso de recursos de campanha.
Também foi um conjunto de julgadores, reunidos na Segunda Turma do STF, que considerou prescrita a pretensão punitiva do Estado no crime de corrupção passiva pelo qual havia sido condenado o ex-ministro petista José Dirceu.
A deliberação que destoou da boa prática das cortes superiores de decidir de forma coletiva veio do ministro do STF Dias Toffoli.
Ele deu sequência à sua cruzada contra a Lava Jato e extinguiu as ações penais da operação contra Marcelo Odebrecht, ex-presidente da construtora que confessou ter coordenado um esquema multimilionário de corrupção.
De Toffoli, ex-advogado do PT arrependido de ter prejudicado Lula no passado, não se espera nenhum reexame de consciência.
O ministro, em setembro de 2023, julgou imprestáveis as provas colhidas pela Java Jato contra a Odebrecht. Em fevereiro, suspendeu pagamentos de multas que haviam sido assumidas pela empreiteira em acordo de leniência.
Até a J&F, cujo processo não passou pela vara federal de Curitiba, foi beneficiada pelas decisões monocráticas do ministro. A empresa, vale lembrar, contratou a mulher de Toffoli, a advogada Roberta Rangel, no âmbito de um litígio empresarial no setor de celulose.
Não é desejável que tantas decisões solitárias importantes, que envolvem valores bilionários e beneficiam figuras controversas da República, se acumulem sem o crivo do plenário da corte constitucional.
O país precisa saber quantos dentre os dez colegas de Toffoli concordam com a lamentável opção de jogar fora numa só tacada anos de esforços para responsabilizar fraudadores do erário, quando o correto seria descartar o joio —as faltas capitais de autoridades à frente dos casos— e preservar o trigo da punição aos crimes cometidos.
Que o plenário do Supremo se pronuncie o quanto antes.
27/5/2024
Um comentário para “Ninguém segura o apagador de provas”