Tem-se de barato que a economia é o eixo propulsor da aprovação de governos e, consequentemente, principal indicador da preferência eleitoral. A crença, resumida por James Carville, estrategista da campanha presidencial de Bill Clinton versus George W. Bush, na frase de efeito “It’s the economy, stupid!”, parece ter perdido tração de 1992 para cá. Possivelmente turbinado pelas redes sociais, o ódio parece ditar mais do que o bolso nas intenções de voto. Lá fora e por aqui.
Nos Estados Unidos, o republicano Donald Trump, que destila veneno pelos poros, lidera todas as pesquisas para as eleições presidenciais de novembro a despeito do êxito econômico do governo Joe Biden, que pode exibir uma das menores taxas de desemprego da história e melhoria significativa na distribuição de renda de seu país.
Pesquisa realizada pelo Fed, banco central americano, revela crescimento de 23% no patrimônio das famílias nos últimos quatro anos, descontando-se a inflação, alcançando 37% na classe média. Nesse grupamento, os que têm patrimônio menor cresceram mais, 66%, enquanto nos 10% do topo o aumento foi de 18%. A maior alta se deu entre famílias negras, 60%, seguidas por hispânicas, 31%, e brancas, 20%. Ainda assim, a popularidade de Biden desaba. Na última rodada da pesquisa Reuters/Ipsos, em novembro, a aprovação do presidente americano ficou em 39%, 16 pontos percentuais abaixo dos 55% do início de seu mandato. A desaprovação, que era de 32% na posse, bateu em 56%.
Em Portugal, país que mais cresce na Europa, os números positivos do PIB podem não ter qualquer valia nas eleições legislativas de 10 de março. Depois da crise de novembro, quando o primeiro-ministro Antonio Costa, do Partido Socialista (PS), renunciou ao ser acusado (sem provas) de práticas ilícitas, o PSD (Partido Social Democrata) do presidente Marcelo Rebelo de Sousa tende a perder espaço. E não só para o PS com quem forma coalizão, mas para a direita, que, com discurso xenófobo, especialmente contra brasileiros, aparece forte nas pesquisas, incluindo os extremistas do partido Chega.
Por aqui, a economia também não tem gerado dividendos para o presidente Lula. Em 2023, o desemprego, os juros e a inflação caíram, o PIB superou as expectativas, os salários médios cresceram, mas a aprovação do governo e a popularidade do presidente não se alteraram. De acordo com o Datafolha, Lula fechou o ano com 38% de ótimo/bom, 30% de regular e 30% de ruim/péssimo, posição muito semelhante à da primeira pesquisa, realizada em março do ano passado.
Os números demonstram sedimentação na aprovação e na rejeição, imexíveis mesmo com melhorias palpáveis nas condições de vida, em especial para os mais pobres, com créditos sociais fixos e ampliados. Os a favor parecem não enxergar os contras, e nada fazem para atraí-los, e os contras não vêem mérito algum no governo. E muitos se ocupam em alimentar as brigas entre os contra e os a favor.
Essa rinha do “nós x eles”, iniciada por Lula quando os adversários eram os tucanos, tidos hoje como inimigos dóceis depois da guerra incentivada pelo ex Jair Bolsonaro, se agudizou com as redes sociais e pode ficar mais intensa, agressiva e criminosa com o uso da Inteligência Artificial, que, como todas as maravilhas tecnológicas, servem ao bem e ao mal, com benefícios fantásticos e danos muitas vezes irreversíveis. A economia, que ditava os parâmetros eleitorais, tende a ficar em segundo plano, até porque as campanhas “modernas” se fazem por temas e personagens capazes de viralizar mensagens, não raro elegendo idiotas que são fabulosos arregimentadores de likes.
Lula fez um bom primeiro ano de governo e teria muito o que mostrar – na economia, na saúde, no combate à degradação ambiental. Talvez por impaciência ou por convencimento real de que economia não dita mais a escolha do eleitor, ele tem preferido o ringue, onde sempre se sentiu confortável, chamando os contra para a luta.
É o que fez mais uma vez na sexta-feira, ao acusar Bolsonaro de ser o responsável pelos atos golpistas do 8 de janeiro. É fato que falou o que muitos pensam, mas que um presidente da República não deveria jamais dizer: “Eu acredito que (o 8 de janeiro) tem um responsável direto, que planejou tudo isso e que, covardemente, se escondeu e saiu do Brasil com antecedência, que foi o ex-presidente da República.”
Ao desembainhar a língua, Lula forneceu combustível para alimentar a guerra.
Dá saudade dos tempos em que a economia falava mais alto na decisão do eleitor, dos tempos em que vencia quem melhor governava.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 7/1/2024.
Desembanhar a língua, só a Mary mesmo. São esses achados que tornam um texto preciso e importante, em leitura agradável.