Luiz Inácio Lula da Silva alcançou seu terceiro mandato em uma eleição acirrada, decidida por uma diferença de pouco mais de um ponto percentual, com apenas 2,3 milhões de vantagem em um universo de 118,5 milhões de votos válidos. O êxito não foi nem de Lula nem do PT, como o próprio presidente eleito admitiu no discurso da vitória, quando, com raríssima humildade, reconheceu o mérito do conjunto de forças que o fizeram voltar ao Planalto. Ainda que pareça óbvia, talvez esteja aqui uma das explicações para a queda de popularidade que o estaria infernizando.
O raciocínio é simples. As mesmas turmas formadoras de opinião em diferentes estratos sociais que embalaram a vitória de Lula em 2022 agora o fazem perder pontos de aprovação.
O resultado da eleição, fruto de uma aliança ampla pró-democracia, não autorizava Lula a exercer a agenda petista. Muito menos o esquerdismo juvenil, que se perde na cruzada anti-Ocidente (em especial contra os Estados Unidos, o Grande Satã), aplaude ditadores amigos e aposta todas as fichas no Estado intervencionista, senhor de tudo e todos, única entidade capaz de promover o desenvolvimento.
Mudanças na Lei das Estatais, criada em 2016 para impor regras que inibem a politização de empresas públicas, estimulando a qualidade da governança, as tentativas de reverter as alterações na legislação trabalhista que acabaram com o imposto sindical e de anular a privatização da Eletrobras são apenas algumas incursões que fazem torcer os narizes de muitos que, mesmo com ressalvas, preferiram Lula em 2022.
Pesam também a má vontade com o agronegócio e a dificuldade de entender que o século 21 já adentrou a sua segunda década e, portanto, não comporta fórmulas ultrapassadas nas relações de trabalho ou de assistência social. Não por outro motivo, o governo apanha na tentativa de regulamentar motoristas e entregadores de aplicativos, que não trocam sua autonomia e liberdade por tabelamento de hora mínima. E não consegue mais angariar dividendos políticos palpáveis com o Bolsa Família, benefício incorporado como obrigação de qualquer governo.
No primeiro ano de Lula, os resultados positivos da agenda econômica tocada pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad – alvo de toda sorte de fogo amigo por ter relações saudáveis com o mercado e, portanto, ser benquisto no mundo “pecaminoso” do capital -, seguraram parcialmente as insatisfações. Mas nem a inflação em baixa e o emprego em alta são capazes de superar as pautas negativas que o próprio presidente, parte de seus ministros e o PT geram, em um esforço incansável de afastar até quem torce pelo sucesso do governo.
A Petrobras é prova disso. A empresa perdeu R$ 43 bilhões em valor de mercado em um único dia devido à interferência do ministro das Minas e Energia Alexandre Silveira, que, em oposição a Haddad, insistiu em não pagar dividendos extraordinários aos investidores. Três semanas depois, o governo se convenceu de que não podia usar os dividendos para outro fim e decidiu distribuí-los. Tendo perdido a contenda e precisando de algo para tirar foco das barbaridades do setor elétrico – apagões em São Paulo e incapacidade da agência reguladora ANEEL de fazer algo contra a operadora Enel -, Silveira, com apoio do ministro da Casa Civil Rui Costa, pôs fogo na frigideira do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates.
A fritura pode ou não resultar no afastamento imediato de Prates, mas provoca mais danos à petroleira. Petista de carteirinha, que tem feito as vontades de Lula, Prates já mexeu na composição de preços dos combustíveis e na programação de investimentos da estatal. Incluiu até mesmo o término da escandalosa Abreu e Lima. Criada em parceria com o venezuelano Hugo Chávez, que não colocou um único centavo na obra e teve o calote perdoado por Lula, a refinaria de R$ 100 bilhões recebeu o título de “mais cara do mundo”.
Nicolás Maduro, sucessor de Chávez, é outra ponta de repúdio de eleitores não lulistas que depositaram seus votos no petista em nome da democracia ameaçada pelo ex Jair Bolsonaro. Democracia que, meses mais tarde, Lula considerou “relativa” ao defender o ditador venezuelano. Ainda que bem-vindas, as críticas recentes feitas depois que Maduro desrespeitou o acordo de promover eleições limpas, impedindo registro de candidatos da oposição, foram consideradas tardias e brandas demais. Mais: o Brasil de Lula não deu um pio sobre o decreto de anexação de Essequibo, assinado na semana passada, no qual Maduro se apodera unilateralmente do território da Guiana.
Se quiser ganhar pontos de aprovação, Lula tem de cuidar de problemas objetivos. Na segurança pública, área em que o domínio do crime organizado se impõe, na Saúde – ainda que neste caso seja um absurdo atribuir a explosão da dengue à ministra Nísia Trindade -, e na Educação, que não consegue se impor como prioridade.
Não adianta criar subsídios para comprar carros novos, nem reduzir a conta de luz à fórceps, método que já não deu certo no governo Dilma Rousseff. Muito menos criar slogans de “Fé no Brasil”, citar “milagres” por 27 vezes em discursos e criticar Bolsonaro em todas as falas, fomentando o clima de hostilidade quando a pregação inicial era de união. Esses tiros miram a culatra: em vez de angariar simpatias criam novas resistências.
Não será assim que se dará a atração da classe média que migrou para o ex, dos evangélicos que faltam ou das mulheres cujo apoio começa a minguar. O caminho, talvez, esteja lá no irrepreensível discurso da vitória: “Esta não é uma vitória minha, nem do PT, nem dos partidos que me apoiaram. É a vitória de um imenso movimento democrático que se formou acima dos partidos políticos, dos interesses pessoais e das ideologias…”
É improvável ter aprovação fora da bolha quando, contra a sua própria pregação, Lula insiste em governar só para lulistas.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 7/4/2024.