Lula deve um pedido de desculpa aos judeus

Poucas vezes um presidente do Brasil foi tão infeliz e grosseiro com outro povo como Lula com a sua declaração, na qual comparou a morte de palestinos em Gaza com o Holocausto dos judeus na Segunda Guerra Mundial. Criou uma crise diplomática desnecessária – a ponto de o governo israelense considerar o presidente brasileiro persona non grata – e ofendeu a memória de seis milhões de judeus que perderam suas vidas nas câmaras de gás dos campos de concentração nazistas.

Se a intenção no início do governo era se projetar ao longo do mandato para se qualificar para receber o Prêmio Nobel da Paz, dessa vez o tiro saiu pela culatra. Se quis fazer média com os países árabes, tudo o que colheu foi uma nota de agradecimento do Hamas. E é vergonhoso Lula ser o único chefe de estado elogiado pelo grupo terrorista.

A declaração do presidente, a quem faltou equilíbrio e serenidade, prejudica a causa palestina. Não será pela via da estigmatização de Israel que o Brasil contribuirá para os palestinos terem o seu próprio Estado.

A filósofa judaica-alemã Hannah Arendt desenvolveu o conceito da banalização do mal, quando do julgamento de Adolf Eichmann, condenado à morte por ter sido o executor da “solução final” para Hitler livrar-se, definitivamente, do “problema judeu”. De certa forma, Lula banaliza o mal ao trivializar o Holocausto, comparando fatos históricos absolutamente incomparáveis.

Quando fala sem o filtro do discurso preparado por assessores, Lula muitas vezes revela o lado mais obscuro de sua alma. Não se trata apenas de simples escorregões em cascas de bananas, mas de uma visão distorcida e ideológica que o leva a tomar partido do lado errado, em episódios no qual estão em jogo valores fundantes da doutrina diplomática brasileira. Nosso presidente toma partido no conflito entre árabes e israelenses, assim como tomou partido na Guerra da Ucrânia, na Venezuela e em relação às “ditaduras amigas”.

Desde o 7 de outubro do ano passado, quando o Hamas cometeu uma ação terrorista em Israel matando mais de 1.200 pessoas inocentes, a maioria judeus, e sequestrou outras 240, Lula tem se posicionado mal no conflito. Demorou a caracterizar o Hamas como grupo terrorista e suas primeiras declarações, como as de seu assessor para assuntos internacionais, Celso Amorim, foram no sentido de nivelar Israel e o grupo terrorista palestino na responsabilidade pela eclosão do conflito.

Um dos pilares da doutrina diplomática brasileira é não tomar partido em conflitos entre países e contribuir para soluções pacíficas. Essa deveria ser a posição do governo Lula, caso se mantivesse fiel à boa tradição do Itamaraty.

Tal postura não impediria o presidente de criticar o governo de Netanyahu por dar uma resposta considerada por muitos como sendo desproporcional ao ataque do Hamas. As mortes indiscriminadas de quase 30 mil pessoas, muitas delas crianças e mulheres, são realmente chocantes. Lula não teria cometido uma afronta às vítimas do Holocausto e seus descentes, se a suas palavras se limitassem a isso. Contribuiria se somasse sua voz à de Joe Biden e de outros chefes de Estado que pressionam o governo israelense para cessar os ataques em Gaza e buscar uma saída pacífica. Assim se posicionam o Canadá, a Alemanha, a França, aliados históricos de Israel, que não concordam com as ações de Israel sob Netanyahu.

Uma postura positiva do Brasil implicaria em saber diferenciar o governo de Netanyahu do Estado e do povo israelense. Ao colocar tudo no mesmo cesto, Lula finda por contribuir para que a opinião pública israelense se feche em copas com o seu governo, pois para um povo vítima de genocídio é um escárnio compará-los com o mesmo tipo de extermínio do qual foram vítimas. Nada, absolutamente nada, se compara ao que Hitler fez com os judeus na Segunda Guerra Mundial.

Ao presidente não se pode absolver por desconhecer a História. Provavelmente nunca se horrorizou com o Genocídio Armênio, quando cerca de um milhão de armênios foram massacrados pelo Império Turco-Otomano, entre 1915 e 1923. Nesse período, mulheres foram escravizadas, crianças eram encaixotadas e jogadas no Mar Negro.

Tampouco deve ter ouvido falar do Holodomor, também conhecido como o genocídio de ucranianos, a grande fome que matou cerca de quatro milhões de pessoas na Ucrânia, em decorrência da política de Josef Stalin.

No rol de episódios ignorados   por Lula está também a guerra da Bósnia, quando a “limpeza étnica” promovida pelo ditador sérvio Slobodan Milosevic levou, entre 1992 a 1995, ao assassinato de 200 mil bósnios e ao êxodo de mais de um milhão de pessoas. A maioria mulheres e crianças.

Quando deu a ordem para a “solução final para o problema” judeu, Hitler acalmou auxiliares preocupados de como a Alemanha ficaria na História argumentando que, com o passar dos anos, ninguém mais lembraria do extermínio dos judeus. Para corroborar sua tese, perguntou: “Alguém hoje lembra ou fala do genocídio dos armênios?”

Esse é o perigo de se banalizar o Holocausto. Tratá-lo como se fosse algo trivial não deixa de ser uma contribuição para apagar da história o genocídio de seis milhões de judeus, levando-o ao esquecimento.

Há um nexo entre a postura anti-Israel de Lula e seu posicionamento diante da Guerra da Ucrânia e de defesa de ditaduras de “esquerda”. Esse fio condutor é o viés antiamericano e antiocidental de sua política externa. Israel é a única democracia do Oriente Médio, seus valores são ocidentais, assim como o são os do Brasil. Os Estados Unidos e os países membros da OTAN são os principais aliados do estado israelense.

O coração de Lula está em desalinho com o mundo ocidental. Por isso adota dois pesos e duas medidas na defesa dos direitos humanos, calando-se quando tais direitos são violados por governos com os quais tem afinidades ideológicas. Nos dois anos da guerra da Ucrânia o presidente não disse palavra alguma sobre a morte de crianças ucranianas assassinadas ou sobre mulheres estupradas. E se posicionou muito mal sobre Alexei Navalny, assassinado na semana passada dentro de uma prisão russa.

Lula não vai fazer, mas deve um pedido de desculpas aos judeus e à comunidade brasileira, por ter cruzado a linha vermelha. Além de perder qualquer interlocução com um dos lados do conflito, o presidente mergulha nas águas turvas do antissemitismo.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 21/2/2024. 

Um comentário para “Lula deve um pedido de desculpa aos judeus”

  1. Pensava que o Lula, ao contrário do que mostrou o Bolsonaro, pelo menos sabia se portar publicamente enquanto figura pública, evitando falar asneiras que servem no máximo só para agradar a base. Parece que até isso ele esqueceu, depois dessa temporada no xadrês.

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