Está previsto um retorno de Lula ao Rio Grande do Sul no decorrer desta semana. A se confirmar, será uma oportunidade para desfazer a impressão deixada na sua última visita de que está partidarizando a tragédia dos gaúchos. A suspeita não surgiu do nada. Na semana passada, o presidente transformou o ato de anúncios de medidas adotadas pelo seu governo, em um comício político. No calor do palanque, não deixou por menos ao dizer que pretende disputar mais dez eleições.
Até aí pode ter sido exagero de retórica de um presidente palanqueiro que deitou falação por 45 minutos. Falou de coisas que não tinham nada a ver com a dor dos gaúchos, como sua briga com Bolsonaro, a quem chamou de “incivilizado”. Lula faz questão de manter acesa a polarização que tem dividido o país ao meio, com vistas a reproduzir na eleição presidencial de 2026 o mesmo quadro de 2022, quando se elegeu presidente.
Não se pode dar o desconto de que o presidente foi acometido de incontinência verbal. As desconfianças de que está querendo usufruir dividendos político-eleitorais se reforçaram com sua escolha de seu ministro de Comunicações, Paulo Pimenta, para comandar a recém-criada Secretaria Extraordinária que vai coordenar todas as ações do governo federal para a reconstrução do Rio Grande do Sul. Além de ser o fiel escudeiro de Lula em questões de propaganda, Pimenta, deputado federal do PT mais bem votado na última eleição, é candidatíssimo ao governo do Rio Grande do Sul em 2026.
Não há como fechar os olhos para o risco de contaminação política das ações do governo federal, particularmente na sua relação com prefeitos e outras autoridades gaúchas. A escolha de Paulo Pimenta pode ter sido ditada não pela sua qualificação técnica para o exercício do cargo ao qual foi nomeado. Certamente, Lula viu aí uma oportunidade do PT ter um candidato competitivo ao governo gaúcho e do próprio presidente se beneficiar eleitoralmente disso, revertendo o quadro eleitoral adverso quando, em 2022, perdeu, no Rio Grande do Sul para Bolsonaro, por cerca de 800 mil votos.
É uma jogada arriscada. Se a instrumentalização da tragédia for ostensiva provocará repulsa de quem teve seus lares destruídos e que tem de recomeçar a vida praticamente do zero. Os olhos da nação, em especial os olhos do Rio Grande do Sul, estarão atentos aos passos do delegado de Lula no Rio Grande do Sul. De Paulo Pimenta se exigirá comedimento e relações republicanas com os entes federativos – Estado e Municípios.
Não se nega a importância de uma atuação articulada e do governo federal desempenhar papel importante na reconstrução do Rio Grande do Sul. Isso requer parceria com os governos locais, a começar com o governo estadual. Pimenta promete pautar-se por uma postura de “solidariedade, parceria, de união e de reconstrução”. A conferir.
Quando anunciou a nomeação de Pimenta e a criação da Secretaria Extraordinária, Lula não teve grandeza ou consideração em avisar previamente ao governador do Estado. Eduardo Leite ficou sabendo pela imprensa. Isto, contudo, não pesou na determinação do governador de buscar a união, conforme explicou em sua declaração:
“Não contem comigo para disputa política, não contem comigo para disputa de vaidades, de egos. Não temos o direito de permitir que qualquer tipo de diferença ideológica, programática, divisão política ou aspiração pessoal possa interferir na nossa missão de atender essas pessoas. Vou me reunir em breve, inclusive com o ministro Pimenta e vamos atuar para que possamos coordenar essa ação conjunta.”
Esse deveria ser o espírito dos homens públicos sinceramente tocados pelo sofrimento de onze milhões de gaúchos. Lamentavelmente a instrumentalização da tragédia vem de várias partes. Parlamentares bolsonaristas promovem tiroteios nas redes sociais difundindo mentiras e distorcendo fatos. Não há, por parte deles, o menor sentimento de empatia e de comunhão com o sofrimento das vítimas da tragédia que se abateu sobre o Rio Grande do Sul.
Não estão sozinhos na sua mesquinharia. Também revelam ter alma pequena parlamentares da esquerda que vão de dedo em riste para cima do governador gaúcho, como observou o Estadão, em seu editorial “A segunda tragédia do Rio Grande do Sul”.
Nas grandes tragédias vem à luz do dia o que há de melhor do ser humano, mas também o que há de mais mesquinho. No caso do Rio Grande do Sul, os brasileiros voltaram a se reencontrar como um povo com uma mesma comunhão de destino, depois de anos e anos de divisão e polarização. Criou-se um sentimento de união, de solidariedade, de compartilhamento com a dor de nossos irmãos do Rio Grande do Sul.
Podemos atravessar esse tormento e sair dele mais resilientes e mais coesos como um só povo, como uma nação indivisível. A despeito da ação deletéria dos que tentam tirar partido e instrumentalizam uma tragédia que é de todos nós, brasileiros.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 22/5/2024.