N. do A. – Cuidado:texto com caturrices. Caturrice: rabugice, birra.
Tínhamos, na casa onde morava, uma chapeleira na entrada da sala. Peça antiga, bela, onde visitantes penduravam casacos e guarda-chuvas. Agora, vivendo em apartamento, estou pensando em outro móvel, muito útil.
Eis porque cogito isso. Pessoa da minha família adoeceu, encarou hospital, por fim pôde continuar o tratamento em casa. E ir para o sofá da sala, onde visitas seriam bem-vindas, e a boa conversa poderia reanimá-la. E elas vieram.
Mas… Entro na sala e dou com quatro pessoas, duas mulheres e dois homens, sentados à frente da paciente. Sentados e – todos – com a cara enfiada em seus celulares. Nenhuma palavra, nem que fosse para comentar o que os magnetizava na pequena tela.
Nada. A doente, o olhar perdido, aborrecida.
Resolvi criar uma peça com escaninhos, que se imporá logo à entrada da sala. Os visitantes serão obrigados a deixar ali seu celular. Se tocar, mas só neste caso, estarão autorizados a atendê-los – depois a coisa volta para o castigo.
A consequência imagino facilmente. Ninguém mais aparecerá em casa. Talvez alguma velha tia, ou um amigo dos antigos, gente estranha que usa as palavras para se comunicar.
Muitas pessoas sabem que tenho em casa uma máquina de escrever da época do Al Capone, e câmeras fotográficas para filmes de rolo. Antes que me tomem por algum personagem de Eça, esclareço que são simples peças de decoração. Para o cotidiano, uso, educadamente, as mesmas maravilhas dos nossos tempos, do laptop ao celular.
O último, boa companhia em lugares impessoais, nas viagens do metrô por exemplo. Posso ler o noticiário, eventualmente responder a uma mensagem.
Mas se o passageiro ao lado me dirigir a palavra, correspondo imediatamente. Ao fim da conversa, convido-o a ir a um bar, tomar uma bebidinha. Um bom Rhum Creosotado. (O Google fala de tudo, até dessa bebida.)
Esta crônica foi originalmente publicada no blog Vivendo e Escrevendo, em 31/7/2024.
Não me conformo com tanta desconsideração humana causada pelo telefone celular. Pode parecer retrógrado, mas isso que você pretende fazer é correto: o depósito de celulares na entrada da sala de estar. O que dizer da parafernália dentro de um pátio escolar ou de uma sala de aula?