Jair Bolsonaro começa a semana cheio de gás. Não só pela força vinda de Elon Musk, dono do X, que escalou a guerra contra o ministro do STF Alexandre de Moraes, alvo da manifestação convocada pelo ex para o próximo dia 7, na Avenida Paulista, mas pelas boas novas que certamente virão do Senado. Por lá, está tudo pronto para aprovar mudanças na Lei da Ficha Limpa que podem cancelar a sua inelegibilidade. Sem precisar de uma proposta de anistia, esta também em estágio adiantado.
O Projeto de Lei (PLP) que modifica a Lei da Ficha Limpa refere-se à contagem dos prazos das inelegibilidades. Foi aprovado na Câmara em setembro do ano passado com mudanças pontuais que parecem mexer pouco. Mas alteram tudo – e em favor do criminoso.
Se hoje um parlamentar cassado fica inelegível por oito anos contados a partir do fim do mandato, pela nova lei isso só ocorreria depois da condenação, que, como sabemos, pode levar anos. Já para prefeitos, governadores e presidente da República, o PLP prevê que a contagem comece na data da perda do cargo e não do final do mandato. Nos casos em que a cassação se dá pela Justiça Eleitoral, o projeto aprovado determina um encurtamento significativo nos oito anos, passando a valer a data em que o acusado foi eleito, portanto, retroativa.
De autoria da deputada Dani Cunha (União-RJ), filha do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, cassado por seus pares e um dos beneficiados caso a matéria seja referendada pelo Senado, o PLP voltou à baila na semana passada com velocidade estonteante. Foi apreciado na Comissão de Justiça na terça-feira e teve sua urgência aprovada na quarta, em questão de segundos. Com isso, garantiu presença no esforço concentrado que o Senado agendou para esta semana. Tudo com o apoio da maioria em ambas as casas. Do PL de Bolsonaro ao PT de Lula.
Até aí, nada parece dizer respeito ao ex. Mas o PLP traz uma malandragem que pode salvar Bolsonaro. Pelo texto, os direitos políticos só podem ser suprimidos por abuso de poder econômico ou político quando relacionado à “cassação de registros, de diplomas ou de mandatos”. Condenado pelo TSE depois do pleito por uso eleitoral do Bicentenário da Independência e pelo ataque às urnas no encontro que promoveu com embaixadores no Palácio do Alvorada, Bolsonaro estaria fora dessas hipóteses.
O ex não teve seu registro de candidatura cassado nem perdeu seu diploma, até porque foi derrotado na eleição e, muito menos, seu mandato foi cassado. Será, portanto, um prato cheio para advogados caso o PLP seja aprovado nesta semana. Parece filigrana jurídica. Mas ao fim e ao cabo são elas que definem as legalidades no Brasil que condenou e descondenou o presidente Lula, prendeu políticos e empresários confessos para depois liberar todos eles.
Na Câmara, corre em paralelo um projeto de anistia para os presos e condenados nos atos de 8 de janeiro, e, de quebra, do ex-presidente. No calendário bolsonarista, o relatório do deputado Rodrigo Valadares (União-SE) sobre a anistia tem de estar pronto para que a matéria possa ser apreciada pela Comissão de Justiça na semana pós-ato do 7 de setembro, quando, imaginam, o tema ganhará tração.
Enquanto o digladio se dá em torno de Musk versus Moraes – um descumprindo leis e tratando o Brasil como República de Bananas, outro ditando regras não escritas -, esses e outros absurdos legais são costurados na Câmara e no Senado.
Perdoam-se dívidas de políticos e de partidos; mudam-se regras para beneficiar quem joga a legislação eleitoral no lixo; concede-se anistia a quem rouba ou atenta contra o país. Faz-se a política do escárnio. Talvez resida aqui pelo menos parte da explicação de o eleitor descrer em tudo que aí está e apostar suas fichas em estranhos marçais.
Este artigo foi originalmente publicada no Blog do Noblat, em 1º/9/2024.
Mary Zaidan mais uma vez forte firme e verdadeira. Essa canalha de picaretas age sem um mínimo de pudor.