Vendem-se Praias

Se o Senado tivesse um setor de classificados, o anúncio de destaque da semana seria este:

“Vendem-se praias do litoral brasileiro, indicadas para investidores dos setores imobiliários e hoteleiros que visam a obter lucros estratosféricos oferecendo conforto a condôminos e hóspedes com alto nível de exigência. São milhares de quilômetros de areias brancas e de mar azul que podem ser desfrutados com exclusividade por milionários que não querem ser incomodados com a presença da população em geral. Os interessados podem tratar direto com o corretor Flávio Bolsonaro, que estará à disposição de todos para maiores esclarecimentos”.

Pois é, gente! Essa PEC que pariu, de autoria do deputado federal Carlos Jordy (adivinhem a qual partido ele pertence), aquele mesmo que foi alvo de busca e apreensão na operação Lesa Pátria, por estar envolvido até o pescoço na tentativa de golpe de 8 de janeiro, propõe, em outras palavras, que nossas praias sejam privatizadas, realizando assim o sonho do seu mito Jair Bolsonaro, que já falava nisso tempos atrás quando declarou que queria transformar Angra dos Reis numa “nova Cancún”. Só que para agradar ainda mais aos interessados (leia-se família Bolsonaro), Jordy ampliou o projeto de tal forma que já poderia ser apelidado de Cancuzão, ops, Cancunzão, dada a extensão da área em questão.

A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) de 2022, batizada de “Cancún Brasileira”, voltou à baila esta semana. Ela visa a revogar texto constitucional de 1988 que define as praias como “bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas”.

Flávio Bolsonaro, o relator do texto, tá fazendo das tripas o coração, para que o Senado deixe a boiada passar, digo, o projeto passar, já que foi aprovado pela Câmara, depois de ter sido discutido pela. CCJ – Comissão de Constituição e Justiça – na última terça-feira, dia 27.

Outro que tá dando o maiorrapoio a esse descarado projeto é o jogador Neymar.

Ele, que já foi povo, que já comeu frango com farofa na praia, que já bateu suas bolinhas nas areias de Santos, agora, que virou um bilionário metido a besta, que ter um lugar exclusivo para estacionar seu iate no quintal de casa, sem ser incomodado por banhistas curiosos.

Por certo essa ideia não tem embasamento em pesquisas e nem foi discutida com a sociedade. Se houvessem pesquisado teriam concluído que Cancún não serve de referência por ocupar apenas uma pequena área no litoral mexicano e que a Espanha já tinha feito coisa parecida em 1960 mas descobriu, depois de 30 anos, que não foi um bom negócio. Além de ter sido uma medida impopular que restringia a frequência das pessoas às praias, enfrentou também problemas ambientais como erosão costeira e poluição provocadas pela desenfreada especulação imobiliária. Quando perceberam a merda que tinham feito, o governo espanhol decidiu reverter a privatização em 1990, mas pra isso teve de arcar com o prejuízo. Pagou indenizações milionárias pra empresas privadas, donas dos pedaços, causando um rombo gigante aos cofres da União.

Aí, nós banhistas mortais comuns, perguntamos ao seu Flávio Bolsonaro: Que vantagem iria ter a população com esse projeto? Não, não precisa responder. Eu mesma repondo: NENHUMA!

Agora a outra pergunta: Quem vai tirar vantagem desse projeto? Podexá que respondo essa também: Empreendedores que visam a obter altíssimos lucros com a exploração do turismo elitista, políticos que se propõem a facilitar a aprovação do projeto e, muito provavelmente (ou seria certamente?), milicianos em geral, como aqueles já manjados no Rio de Janeiro, donos de vários negócios espalhados pelas praias.

Nos resta ficar de olho no que esses caras vão fazer. Se eles querem comer caviar e tomar champanhe na praia sem serem incomodados, que viajem para bem longe daqui. Que vão tomar no cancum!

Nós, povo, queremos mesmo é continuar comendo nosso franguinho com farofa e tomar caipirinha na praia que a gente bem quiser.

Esta crônica foi originalmente publicada em O Boletim, em 31/5/2024.

 

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