Uma sublime homenagem aos meus barbeiros

Analisando minha vida reconheço que pequenos problemas todo mundo enfrenta, mas os meus são bem peculiares.

Um deles, que nunca entendi o motivo, é o constante crescimento dos cabelos.

“Esses distúrbios” acabam gerando problemas, como a necessidade de ter um barbeiro com quem eu possa contar.

Desfrute mais essa viagem ao submundo em que fui arremessado.

Dos profissionais que conheci, alguns nascem com um dom natural para dar canseira, como marceneiros, eletricistas, alinhadores de suspensão, etc… mas esses você enfrenta de tempos em tempos, já os barbeiros, se você não teve a sorte de ser careca, irá precisar deles durante toda a sua vida.

Quando vejo alguém fazendo implante capilar eu digo:- “não faça isso, você está louco, você não imagina em que mundo hostil irá se meter”.

Sempre acreditei que não devemos perder a fé, exceto no tema abaixo que eu realmente joguei a toalha.

Andei até tentando fazer regressão, afinal está na moda dos coachings.

O fato é que quando volto ao passado, os boletos ficam com bastante prazo e não quero voltar logo para o presente, aí fico nesse vai e vem sem chegar a nenhuma expectativa do futuro. Entende?

Em um desses repentes, decidi que deveria fazer uma bela homenagem aos meus barbeiros.

Apenas esclarecendo, barbeiro não é aquele cara que faz do trânsito um esporte radical.

Barbeiro é aquele cara que você visita todo mês quando ele é legal, mas dependendo o sujeito, a gente chega a pisar nas mechas para ter que encontra-lo.

Veja que interessante a minha história:

No mundo atual, eu seria definido como uma criança CIS, mas na minha infância, a coisa era bem mais direta e clara e, eu era definido como CPS (criança pé no saco) e cortar cabelo, era mais uma coisa que eu detestava.

Achava que demorava muito e eu sempre ficava com cara de goiaba.

Meu pai me levava praticamente algemado em uma barbearia em frente a casa dos meus avós. Depois passávamos lá, afinal minha avó era uma quituteira de mão cheia e sempre tinha uma torta ou um bolo delicioso nos esperando.

Meu pai aproveitava para relatar para meus avós como eu tinha sido precioso e adorável na barbearia. Soltava até espumas. Eu deixava ele podre.

Me recordo eu nanico, o barbeiro colocando uma tábua sobre os apoios de braços da cadeira, para me sentar em cima e eu ficar mais alto. Creio que boneco de ventríloquo e o Tatoo da Ilha da Fantasia também utilizavam essa técnica de corte.
Eu sempre queria sair no meio do corte, começava a arrancar o avental, falava pro cara que ele estava demorando muito, que aquela aguinha que me borrifava fedia, que estava cortando muito, que não queria assim, gritava chega! Era um inferno.

Até que um belo dia minha mãe resolveu poupar os nervos de todo mundo, inclusive os meus e, disse que cortaria meu cabelo. Pegou seu “quiver” de tesouras Mundial diferenciadas, finas e com uma alcinha.

Fiquei impressionado com os instrumentos e de onde ela tirou aquilo tudo?
Me empapelou e começou a matança.

Jêzuis, aquilo pareceu levar umas 5 horas, na verdade levou umas 4 e fiquei meio esquisito, inclusive porque me mandei sem terminar um lado. O problema era o volume do cabelo, eu poderia facilmente dormir sem travesseiro.

Na sequencia fui direto tirar fotos para a caderneta escolar. Fiz logo uma dúzia, o fotografo Mário queria se ver livre daquelas impressões e disse:
-Leva todas, faz desconto pra você, quem sabe aparece alguma fã pedindo.

A tal foto acusou uma ponta no cabelo que faltou cortar.
Voltei como bolso cheio de fotos, e quando mostrei minha mãe falou:
– “Tá vendo, só faltou essa pontinha aqui que você não me deixou cortar”.
Falou por uns 2 anos.
Aquela época agente tirava fotos para o pré-primário e usava até o alistamento militar.

Pior de tudo é que eu cresci achando que os barbeiros eram para sempre.

Anote aí, mais outra decepção.

Afinal, meu pai cortava com um amigo de infância, o Sr. Fiori.

Conhecíamos a família toda, a esposa, a filha e o cachorro.

Depois a gente vai ficando mais malandrinho e quer fazer o que os amigos mais velhos fazem, então com uns 12 anos comecei a cortar na barbearia do Japonês.

Eram 3 irmãos. Um sério, um mais ou menos e um palhaço. Adivinha com qual eu caí.

Ríamos sem parar, o cara era uma figura e eu dava corda, só os assuntos idiotas tomavam conta da pauta e, um detalhe, ele era alérgico a cabelos. Espirrava e ria, ria e espirrava.

As filas eram enormes. Aquilo era um sofrimento. O bairro inteiro cortava lá.

Quando comecei a trabalhar, eu ia após o expediente e já avisava em casa, hoje vou cortar o cabelo, não me esperem acordados.

Em uma pequena salinha, todo mundo fumando e girando aquelas revistas elegantérrimas como se fosse um volante, para pegar o melhor ângulo:
Internacional, Status, Ele & Ela, Playboy…

Essas revistas se dividiam por camadas sociais. Era a segregação das peladas.

Em uma só apareciam coisas bizarras. Outra só aparecia coitadas. A outra só coitadinhas desconhecidas e, por fim, as levemente conhecidas, mas de cachê barato, tipo a Lurdinha, empregada da dona Kika da novela das 7 “Loucas para amar”.

Nomes como Marcinha Terremoto, Cátia Picolé ou Suzy Quebra-Cama elencavam as reluzentes capas.

Essas novelas das 7h são uma inocente e velada sacanagem sem fim, todo mundo sem camisa, o cara mantinha um rala e rola com a tia do amigo, com a vizinha, com a irmã do padrasto, mas ele gostava mesmo era da Adalgisa, a caipirinha da banca de couve na feira.

Por ela, ele jurava largar todas outras.

E o publico?

Torcia para a Lurdinha ficar com o picareta.
É… o amor é lindo e existe de fato.

Parecia escrito pelo Carlos Zéfiro e transformado em folhetim. Belos tempos da dramaturgia.

Mas voltando aos barbeiros, você sabe que há uma mística que quando você começa com um profissional naquele salão, você deve ir até o fim com ele?

É como um casamento: na alegria e na tristeza, na gordura e na moleza.

É uma ciumeira danada! E em um ambiente onde sobram tesouras e navalhas, eu não quero gerar nenhum tipo de conflito.

Eu cortei com o Shikaro por uns 10 anos, até que joguei a toalha.

Nosso relacionamento vinha esfriando. Nenhuma novidade, sempre aquele corte papai & mamãe.

Fiquei descomprometido e desamparado. E agora, o que eu faço sem o Shikaro?

Vivi me culpando até um amigo me apresentar a Lourdes cabelereira. Japa também, lugar fácil de estacionar, não tinha fila e cobrava pouco.

Pensei: nessas condições, vou com essa até a fim da vida.

Mas a coisa foi ficando meio tensa, passou a cortar de homens só após fechar o salão, ficávamos só nos dois no meio daquelas mechas, tesouras e seu cachorrinho fétido, passou a criar exigências, me sequestrou psicologicamente. Me enchi e sumi.

Foi aí que me apresentaram o Gabriel, nortista “simpaticíssimo”, sempre de cara amarrada, parecia o Pitanguy para marcar hora. Fazia o que deve ser feito e cobrava entre o ruim e o bom, mas era fácil de chegar no jardim paulistano.

O cara tinha um astral terrível, nunca ria, só reclamava e contava casos insuportáveis.

O clássico que me contou mais de uma vez, é que um dia o filho dele puxou a garrafa de Coca-Cola para o lado dele na mesa. Ele notou, não gostou e assim que as visitas foram embora ele disse:
– “Thiago, agora você vai tomar essa garrafa inteira na minha frente, se não você vai ver.”
Detalhe é que era um Big Coke de 2 litros e o menino tinha 3 anos. Vomitou toda a bebida.
– “Tá vendo, você não queria Coca-Cola? Agora não amola mais.”

Finalizou com a grande pérola:
– “Tive que aplicar um corretivo nele.”

Fiquei encantado com tanta sensibilidade, didática e entendimento humano.

Depois ele mudou para um salão no Brooklin, um tremendo trânsito para ir e pior ainda para voltar na marginal.

Quer saber, vou comprar uma maquina e raspar careca não aguento mais essa tortura.

Um amigo me indicou um outro doido na Av. Lins de Vasconcelos. Esse dava garantia de corte. Você poderia voltar lá em até 15 dias para raspar em volta das orelhas e a nuca. Alguém já viu algo parecido?

Enfim, quando chego lá era um salão de beleza unissex.

Tinha gente ajeitando a sobrancelha, escolhendo cor de esmalte, lixando unhas, som ensurdecedor de secador e uma mulherada com bobs na cabeça falando groselha sem parar.

Por favor, me empresta essa navalha, é rapidinho, só vou dar uma passadinha aqui nos pulsos.

Outra viagem no sol e trânsito. Espere aí, eu mudei do Ipiranga para não ter mais que ficar engarrafado e agora eu volto para trás, para frequentar um ambiente maluco desses. Pedi divorcio em 3 idas.

Coloquei a mão na consciência e no bolso. Conheci o Neto no Ringo do Iguatemi. Contei minha história, ele se sensibilizou e me acolheu.
Foram alguns anos de espera e dificuldade para marcar hora. O cara era estrela, casado com a filha do dono do salão. Bom astral, divertido, mas desisti por incompatibilidade de horários.

Em mais uma tentativa, comecei a ir ao salão Soho a 200 metros de casa.

A profissional Dedé executava o corte mais rápido do Oeste.

Lembrava o Edward mãos de tesoura. Em 7 minutos (incluindo a lavagem) eu estava pronto para vazar dali. As vezes eu nem tinha fechado o avental o assistente já ia pegar o espelho para mostrar minha nuca. Aliás que obsessão por nucas, porque eles adoram mostrar a nuca, quem é que recebe as pessoas de costas?

Nesses ambientes orientais tem sempre uns rituais, um mocinho queria me fazer uma massagem antes e depois do corte. – “Nossa como você está tenso, está todo duro!”

Serviam banchá como cortesia, com um gosto meloso e escorregadio de carpas e eu só pensava onde colhiam aquela água?

Era um tal de põe avental, tira avental, lava cabelo, seca cabelo, massaginha, um saco!

Como cortesia me fizeram uma carteirinha de fidelidade, a cada 7.800 cortes eu ganhava um, mas só valia por 3 meses. Pelas minhas contas teria que fazer 8 por dia para poder aproveitar a promoção.

Não contente, eu descobri que no mezzanino havia uma sala de massagem Shiatsu que você pagava por hora, para uma moça fazer. Tipo um parquímetro.

Ooopa, chega desses “mocinhos” vou gastar um tempo com a moça e sair renovado.

Comprei 45 minutos e só depois conheci a moça.

Isso levou por água abaixo a regra que “a ordem dos fatores não altera o resultado.”

Malandro…que arrependimento, nunca apanhei tanto e como ela batia firme! Acho que era filha do Mike Tyson, só faltou pegar um taco de basebol para me amaciar.

O mesmo papo. – “Nossa como você está tenso!”

Era medo mesmo. Eu nunca sabia onde seria o próximo golpe.

Vontade de dizer, morando aqui nesse lugar inóspito e sossegado do Itaim e ainda com meu dia a dia, quando eu estiver relaxado alguém me avisa, pois posso estar morto.

By the way, que relaxado vai fazer massagem?

Mas após alguns dias, eu já estava recuperado e voltando a andar normalmente.

Dei um basta nessa maricagem e fui procurar um barbeiro daqueles bem roots de antigamente, com direito a cadeira Ferrante, navalhas de madrepérola e aroma de colônia Lancaster.

Encontro um, o dono era argentino e ele tinha mais dois capangas para cortar dos novos clientes, eu no caso.

O cara até cortava descentemente, mas era desmemoriado.

No mês seguinte ele não lembrava de mim. No outro mês, quando falei algum assunto que tivemos em comum, ele falava:
“Mas você já esteve aqui?”

Chega, preciso algo novo, terapia, santo daime, uma dose de Novitchok, alguém que se importe comigo. Quero voltar pro mundo!

Acabei jogado em uma barbearia da Rua Joaquim Floriano. Quatro cadeiras com uns caras tatuados até as pelotas e cheirando a cânhamo. Não dava tempo de se acostumar com um, que ele rodava, mas não vou me abater.

Em 3 anos já passei na mão de uns 18 “profissionais” e continuo firme indo lá.

Afinal a gente vai se apegando, cada um com suas qualidades:
Tem o que corta mal, o que gentilmente me apara as sobrancelhas, o que me raspa a nuca inteira, o que esquece de raspar, o que tosa minhas costeletas até parecer que uso peruca e ainda, o que faz um contorno a maquininha me deixando igual a um boneco Playmobil.

Hoje lido melhor com as dificuldades dos meus semelhantes. Aprendi a amar as pessoas como elas são.

São todos especiais para mim, a cada mês absorvo como uma nova aventura e aprendizado.

Nesse momento o Sr. Ribeiro, que durou 3 rounds, voltou para o Pará, e o atual, tem uma catinga de tabaco que chega a sair fumaça na frente do espelho.

Já contabilizei, a cada 3 idas faço uma radiografia do pulmão, para ver se ainda estou em ordem por ficar exposto a tanto lixo toxico.

O fato é que escrevo os textos aos poucos, conforme a inspiração, e nesse exato dia o salão não atendeu no telefone fixo. Calejado que sou, senti aroma de adubo no ar.

Liguei no celular e bingo! O salão fechou, foi vendido, será erguido mais um arranha céu no Itaim.

Resultado:
Órfão mais uma vez. Vão abrir daqui um mês em algum lugar desse planeta.

Agora decidi, vou me cadastrar em um site de relacionamentos.
59 anos, chato pra kct, mais farto de cabelos do que do mundo.
Procuro barbeiro para um relacionamento duradouro. Quem sabe….

Por isso tudo, quando o assunto é inteligência artificial e robôs que um dia dominarão os humanos, eu não vejo a hora de isso virar realidade. Eu adoraria ter um robô barbeiro em casa.

Saudades do Sr. Fiori e do meu pai. Eles só deixaram de se encontrar quando os dois pararam de andar.

São lições de vida que ficam…

* Os nomes das moças das revistas são de minha criação. Sou ótimo para nomes, se pretende batizar alguém, entre em contato. Terei enorme satisfação em ajudar.

Já batizei um gato de Hélio e outro de Gustavo. Meu pato de Jorge, que um dia será homenageado com uma crônica especial. Mas eu gosto mesmo é de um labrador que anda aqui perto, com uma capa escrito Osvaldo. Esse é top.

Encerro desejando um abençoado Natal a todos e que 2024 traga paz para esse mundo maluco de guerras e bombas!

Dezembro de 2023

 

 

11 Comentários para “Uma sublime homenagem aos meus barbeiros”

  1. E nós, mulheres, trilhando a mesma saga, tropeçando nas mesmas pedras, detestando resultados. Eles/ elas tentam….. amei essa revelação do seu segredo para escrever tão bem. Puxa, nas q simplicidade! Aos poucos e inspirado. Também descobri porque meus textos não são geniais e poderiam ser: defeito gravíssimo e profundo, sem nenhuma terapia que dê jeito – Uma total e absurda falta de paciência! Mesmo se eu tivesse o dom, a falta de paciência seifaria qualquer talento. Vivam os barbeiros!

  2. Nossa
    Que saga…
    E o Jorge ? Que saudades do Jorge !!!
    Se julgava um pitbull….
    Dia triste qdo comemos o Jorge !!
    Obrigada por essa viagem !!

  3. Meu Deus do céu ….. kkkkk , legal que conheci o Sr Fiori que por sinal sempre foi o barber shop do meu pai tbm e os irmãos Takeda, depois fiquei careca e comprei uma Wall, estou livre deste tormento… kkkk Fábio, parabéns pela ilustração sempre, só quem conhece bem para saber a realidade. abraço

  4. Querido Sr Fábio, como sempre um texto muito bem escrito e que nos remete há tempos que não voltam mais, uma pena. Os cabelos vão sumindo e as histórias ficam por suas sábias palavras que nos enchem de saudades. Parabéns e obrigado meu nobre amigo! Seus textos nos representam!
    Ansioso pelo próximo, abração!!!

  5. Boa noite Fábio!
    Sou irmã do Walter e ele me enviou o seu texto e mais uma vez fiquei encantada.
    Agradável, bem humorado e, para quem não viveu aquele tempo, a descrição que faz é muito precisa. Adorei!
    Obrigada por nos presentear de forma tão especial, muito obrigada.
    Bom Natal para você também!

  6. Ótimo texto Fábio, lembrei que minha mãe me levava num salão da Av São João que tinha uns carrinhos como cadeira, isso eu tinha menos de 7 anos… E depois íamos na Salada Paulista comer salsicha com purê de batatas. Hoje estou calvo e minha esposa usa uma Wall em mim a cada 20 dias! Parabéns

  7. Felicitações Fábio
    Muita criatividade. Tábua apoiada nos braços da cadeira.
    Já passei por isso kkkkkk

  8. Como sempre um excelente texto , e o clássico salão Fiori …
    Boas festas meu amigo .
    Abraços

  9. Aqui tem 1 barbeiro que temos que procurá-lo no meio das mechas e é a dona Marocas, sabe tudo, língua afiada. Cuidado com os conselhos dele.
    Me segurei na cadeira visualizando seus pais te segurando na cadeira. Barbeiro gente boa dar garantia de 15 dias no corte. Isso non equiziste.
    “Eles só deixaram de se encontrar quando os dois pararam de andar.”, isso me fez chorar.
    O poodle da minha cunhada se chamava Rafael.

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