Tinha um colega no Jornal da Tarde que era tão anticapitalismo, mas tão anticapitalismo, que não deixava dinheiro no banco. O salário caía na conta que todo funcionário da S/A O Estado de S. Paulo tinha que ter, ele ia lá, tirava tudo e levava pra casa, pra não ficar alimentando o dono do banco com o dinheiro dele. Márcio Pochmann, o presidente do IBGE escolhido por Lula, é igualzinho àquele meu colega. Para ele, o Pix é uma arma do Diabo para alimentar o capitalismo.
Ele tuitou, no dia 13/10/2020:
“Com o Pix, BACEN concede +1 passo na via neocolonial a qual o Brasil já se encontra ao continuar seguindo o receituário neoliberal. Na sequência vem a abertura financeira escancarada com o real digital e a sua conversibilidade ao dólar. Condição perfeita ao protetorado dos EUA.”
Loucos como a Damares enxergam Jesus na goiabeira e gigantescos pênis em tudo quanto é lugar. Loucos como o meu colega e Márcio Pochmann enxergam o Diabo e o Tio Sam trabalhando juntos para dominar o Brasil e o mundo.
“Pochmann é um ideólogo”, disse o economista Edgar Bacha, um dos criadores do real e ex-presidente do IBGE. “Tem uma visão totalmente ideológica da economia. E não terá problema de colocar o IBGE a serviço dessa ideologia.”
“Pochmann é intelectualmente desonesto e tem interesse político que coloca à frente da análise econômica”, disse o economista Alexandre Schwartsman. “Passamos a desconfiar dos números de inflação, do PIB. Ele pode trocar o quadro técnico que faz esses cálculos.”
Pochmann é “um terraplanista econômico”, definiu, num momento de brilho, Mano Ferreira, diretor do grupo Livres.
A nomeação de Pochmann para presidir o IBGE “foi um insulto do presidente Lula da Silva à instituição”, escreveu O Estado de S. Paulo em editorial que define o escolhido como “economista de incapacidade amplamente reconhecida no meio acadêmico” e relembra a atuação dele como presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, nos governos petistas anteriores ao atual:
“Nos cinco anos em que o economista esteve na função, pesquisadores renomados, mas com visão contrária à dele, foram afastados. Dizendo que o Ipea não era operador do mercado financeiro, Pochmann suspendeu a divulgação trimestral do Boletim de Conjuntura, com projeções das principais variáveis macroeconômicas, muitas vezes desfavoráveis ao governo. Mas a maior polêmica de sua gestão foi um concurso para a contratação de 62 pesquisadores cujo conteúdo foi duramente criticado pelo forte direcionamento político. Funcionários fizeram, na época, carta aberta em protesto.”
Com seu delicioso estilo de falar de coisas sérias com humor, Eduardo Affonso escreveu no Globo, no sábado, 29/7: “Há coisas que não se devem engolir de jeito nenhum, tipo bala Soft, caroço de jabuticaba e Márcio Pochmann no IBGE.
Em tom muito sério, no mesmo dia O Globo disse, em editorial, que Márcio Pochmann na chefia do IBGE “coloca em risco a credibilidade desse trabalho conquistado em mais de oito décadas”.
Em artigo publicado ao lado desse editorial, Carlos Alberto Sardenberg afirmou que a escolha de Pochmann é muito ruim – mas que ele não conseguirá estragar o IBGE: Ele lembra que na Argentina, o governo de Cristina Kirchner adulterou os dados econômicos, para não mostrar a real situação, na Venezuela a ditadura de Maduro faz a mesma coisa, e na ditadura brasileira instalada em 1964 também houve manipulação. Mas, segundo ele, a chance de o IBGE aparelhado por Pochmann repetir isso “é zero”, porque a imprensa está de olho, “os índices do IBGE são acompanhados por centenas de analistas.”
Mas, mesmo em sua análise otimista, o jornalista – que há décadas cobre a área econômica – adverte que Pochmann “pode fazer algum estrago administrativo ou técnico num órgão tão importante”. E conclui: “Mede-se um governo pelo que faz e pelo que não faz. Não mexer no IBGE seria melhor. Sobretudo porque a mexida sugere que podem existir coisas piores em andamento.”
Vixe Maria!
Melhor seria, é claro, que Lula não resolvesse botar um terraplanista econômico, um sujeito intelectualmente desonesto, que não terá problema de colocar o IBGE a serviço dessa ideologia.
Mas resolveu, não tem jeito. E, infelizmente, não vai ser possível a opção apontada no editorial do Estadão: “Melhor mesmo seria se o IBGE remunerasse o sr. Pochmann para ficar em casa”.
Repito: vixe Maria!
Agora, só rezando.
Aí vão as integras dos dois editoriais e do artigo de Carlos Alberto Sardenberg.
***
Lula insulta o IBGE
Editorial, Estadão, 28/7/2023
A nomeação do economista Márcio Pochmann para presidir o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foi um insulto do presidente Lula da Silva à instituição. Primeiro – e mais grave – por se tratar de indicação exclusivamente política de um quadro do PT para um órgão essencialmente técnico, ignorando o compromisso que o próprio Lula, emocionado, assumiu ao tomar posse; segundo, por apartar do processo de escolha o Ministério do Planejamento, ao qual o instituto é vinculado. E tudo isso coroa uma inaceitável interinidade de quase oito meses no comando do IBGE, algo particularmente grave em ano de divulgação do Censo Demográfico.
Pochmann é uma escolha pessoal, político-partidária e ideológica de Lula da Silva. Economista de incapacidade amplamente reconhecida no meio acadêmico, optou pela atuação política, como mostram as duas candidaturas derrotadas à prefeitura de Campinas (2012 e 2016) e o comando de órgãos ligados ao PT, como o Instituto Lula e a Fundação Perseu Abramo.
Em 2007, Lula, então em seu segundo mandato, nomeou Pochmann para a presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Nos cinco anos em que o economista esteve na função, pesquisadores renomados, mas com visão contrária à dele, foram afastados. Dizendo que o Ipea não era operador do mercado financeiro, Pochmann suspendeu a divulgação trimestral do Boletim de Conjuntura, com projeções das principais variáveis macroeconômicas, muitas vezes desfavoráveis ao governo.
Mas a maior polêmica de sua gestão foi um concurso para a contratação de 62 pesquisadores cujo conteúdo foi duramente criticado pelo forte direcionamento político. Funcionários fizeram, na época, carta aberta em protesto. A direção do Ipea alegou que pretendia mudar o perfil de sua equipe de pesquisa. Funcionários reclamavam de aparelhamento político e da orientação de estudos que respaldassem políticas de governo. O papel do instituto é exatamente o oposto: promover, de forma às vezes contrária às práticas e convicções do governo vigente, estudos que possam orientar políticas públicas.
Se o aparelhamento do Ipea foi ruim para o País, a eventual submissão do IBGE aos interesses petistas seria um desastre. Maior fonte de produção e análise de dados estatísticos oficiais do País, o IBGE fundamenta políticas públicas adotadas pelos governos em todos os níveis. Segue os princípios da ONU definidos em 1994 e, há dez anos, fez ampla revisão de processos para a definição de seu Código de Boas Práticas Estatísticas. Tem um corpo técnico de excelência e funcionários dedicados.
A bem da verdade, faz anos que o IBGE está sendo desrespeitado por gestões federais dos mais diferentes espectros políticos. Sofreu enxugamento abrupto de pessoal desde o governo Collor; viu crescer de forma desproporcional o nível de terceirização que levou a erros em pesquisas durante o governo Dilma; foi deixado à míngua na gestão Bolsonaro. Previsto inicialmente para 2020, o Censo Demográfico que está sendo divulgado neste ano teve o orçamento decepado na gestão Bolsonaro, chegou a ser suspenso e só foi realizado no ano passado depois da intervenção do Supremo Tribunal Federal.
Ao escolher para a presidência do IBGE não um técnico reconhecido na área, mas um fiel sabujo do PT, Lula lança sobre o instituto a sombra da desconfiança. A produção de estatísticas oficiais é uma atividade que depende, acima de tudo, de credibilidade. Sobre este trabalho não pode haver a menor dúvida ou suspeita de influência política – o IBGE, recorde-se, calcula todas as variáveis econômicas que servem de baliza para tomadores de decisão públicos e privados e afere mudanças de costumes e hábitos da população, o que permite aos administradores conhecer o País em detalhe.
O nível de excelência técnica é uma marca do IBGE; e a imparcialidade, um compromisso inquebrantável – tanto que, na divulgação das pesquisas, técnicos e coordenadores se negam a fazer ilações, estimativas ou qualquer tipo de análise que ultrapasse o limite do que mostram os dados. Por ora, não há razão para duvidar que tudo continuará assim. Mas melhor mesmo seria se o IBGE remunerasse o sr. Pochmann para ficar em casa.
***
Lula erra ao escolher novo chefe do IBGE
Editorial, O Globo, 29/7/2023
O ritmo de produção do IBGE é alucinado. Na média, são quatro anúncios por semana. Juntos, formam um retrato fidedigno do Brasil. São dados sobre inflação, desemprego, distribuição de renda, pobreza, mortalidade infantil, expectativa de vida ou produção na economia. O Censo, divulgado a cada dez anos, é o que exige mais recenseadores. Mas levantamentos permanentes também têm estrutura monumental. Os pesquisadores da Pnad Contínua visitam 210 mil domicílios em 3.500 municípios a cada três meses.
O anúncio nesta semana de que o economista Marcio Pochmann assumirá o comando do IBGE a pedido expresso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva coloca em risco a credibilidade desse trabalho conquistado em mais de oito décadas. Lula ainda fez a grosseria de passar por cima da ministra do Planejamento, Simone Tebet, que o apoiou no segundo turno da eleição de 2022.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Edmar Bacha, um dos economistas que participaram da elaboração do Plano Real e um dos ex-presidentes do IBGE, disse se sentir “ofendido” e resumiu a questão da seguinte maneira: “Pochmann é um ideólogo. Tem uma visão totalmente ideológica da economia. E não terá problema de colocar o IBGE a serviço dessa ideologia.” Bacha não está exagerando. Quando chefiou o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em gestões petistas passadas, Pochmann dispensou economistas renomados somente porque não pensavam como ele e enfraqueceu a avaliação técnica em concursos.
Tentar resumir as críticas ao Fla-Flu entre economistas ortodoxos e heterodoxos é um erro. Vários expoentes dos dois campos conseguem manter um debate honesto, deixando claras as críticas de lado a lado, mas alicerçando a discussão em dados indiscutíveis da realidade. Pochmann é um caso à parte. É radical até para muitos heterodoxos. Com base na sua visão de mundo, faz previsões absurdas. A sua conta numa rede social é pródiga em disparates.
Em 2020, publicou que o Pix era mais um passo do Banco Central na “via neocolonial”. “Na sequência, vem a abertura financeira escancarada com o real digital e a sua conversibilidade ao dólar. Condição perfeita ao protetorado dos EUA”, escreveu o economista, que é professor da Unicamp. Em entrevista à agência de notícias Reuters em 2021, confundiu a tecnologia do GPS com a da internet. Antes, já tinha elaborado propostas populistas ou irresponsáveis. Em 2008, propôs uma alíquota de Imposto de Renda de 60%. Um ano antes, argumentara que uma jornada de trabalho de quatro horas, por apenas três dias, era algo factível num país em desenvolvimento como o Brasil.
Seu nome foi uma escolha infeliz para a fundação Perseu Abramo, do PT, quando a presidiu, e o Instituto Lula, que ainda comanda. Mas as suas decisões em instituições desse porte têm consequências reduzidas. O IBGE está em outra categoria. As mais variadas políticas públicas — da definição da taxa de juros à elaboração de projetos de infraestrutura — dependem de dados estatísticos confiáveis. Eventuais mudanças em metodologias ou pressão por interpretações esdrúxulas terão impactos negativos imensos.
***
Estragar o IBGE, não vai. Mas pegou mal
Por Carlos Alberto Sardenberg, O Globo, 29/7/2023.
Numa boa: se era para colocar o economista Marcio Pochmann no governo, a presidência do IBGE foi uma saída de pouco dano. Lá, o potencial de estragos é menor, quase nada.
Com todo o respeito que o IBGE merece, o fato é que lá não se formula nem se pratica política econômica. Trata-se de um órgão que pesquisa e elabora dados. Mede e calcula população, inflação, emprego, desemprego e renda, o Produto Interno Bruto, contas nacionais.
Algumas pessoas levantaram hipóteses de manipulação dos dados, de modo a criar uma imagem mais favorável do país, beneficiando a propaganda do governo.
Por exemplo: martelar os índices de inflação, “produzir” números bem baixinhos, circunstância que favorece o governo de diversas maneiras. Ajudaria a pressionar o Banco Central para uma redução mais acentuada da taxa básica de juros.
Cristina Kirchner fez isso na Argentina. Maduro ainda faz na Venezuela. Aqui mesmo, já houve pressões sobre o IBGE; isso nos anos 80, governo Sarney, para mudar os métodos de cálculo da inflação. Não deu certo. Houve reações políticas e sociais, permitidas pelo ambiente democrático.
Mas, no tempo da ditadura, houve manipulação. Ao final do governo Médici, em 1974, o então todo-poderoso ministro da Fazenda, Delfim Netto, exibia crescimento econômico de milagre, com inflação moderada para a época, 12% ao ano, isso para 1973.
Muita gente desconfiava, mas como reclamar na ditadura?
Só de dentro do regime. Foi o que aconteceu no governo Geisel. Nomeado ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen, entre suas primeiras medidas, providenciou uma revisão da inflação de 1973: não havia sido de 12%, mas de 26,6%, um salto e tanto.
Não foi propriamente uma falsificação, mas um truque. Para conter as óbvias pressões inflacionárias, Delfim havia imposto um controle de preços. A Fazenda fixava os preços, digamos, oficiais, dos principais produtos.
E como sempre acontece nessas circunstâncias, o mercado continua funcionando. Ou seja, havia o preço da tabela e o real, maior, claro. O truque: considerar, na medida da inflação, os preços oficiais.
Ocorre que se mediam também os preços reais, que ficavam no armário. Simonsen mandou abrir, e a inflação de verdade era mais que o dobro da oficial.
Seguiu-se um debate entre os dois economistas, mas ficou claro, especialmente para a população, que 26% era o número. O Banco Mundial também fez uma revisão dos dados brasileiros e chegou a uma inflação de 22,5% para 1973. Era por aí.
Qual a chance de acontecer de novo?
Zero.
Imagine que o presidente do IBGE tente interferir na coleta de preços e cálculo do índice. Em menos de um dia o caso estará na imprensa. Será vazado por funcionários do instituto, zelosos de seu trabalho e sua moral.
Além disso, os índices do IBGE são acompanhados com lupa por centenas de analistas. Há economistas de banco cujo trabalho é adivinhar os números.
Nas consultorias, equipes especializadas até fazem coleta de preços essenciais, além de seguir o detalhe das pesquisas do IBGE, de modo a antecipar cenários para seus clientes.
Basta acompanhar o noticiário. Na véspera da divulgação de qualquer indicador importante, jornais e sites trazem as estimativas do mercado. E sempre bate, não na mosca, mas no alvo.
Tudo considerado, o mercado, os analistas, os jornalistas perceberão qualquer tentativa de manipulação.
Quer dizer, então, que a escolha de Pochmann para o IBGE não tem importância alguma?
Tem. Trata-se de um mau sinal. Indica que a ideia foi colocar um companheiro numa boa posição, mesmo ele não tendo o currículo e a expertise para o cargo.
Ele não interferirá na gestão da política econômica, como sugeriram pessoas ligadas à ministra Simone Tebet e ao ministro Fernando Haddad. Algo do tipo, deixa pra lá, mal não fará.
Mas pode fazer algum estrago administrativo ou técnico num órgão tão importante.
Mede-se um governo pelo que faz e pelo que não faz. Não mexer no IBGE seria melhor.
Sobretudo porque a mexida sugere que podem existir coisas piores em andamento.
30/7/2023
Esta é a décima compilação da série “O maior inimigo do governo é Lula”. A série não tem periocidade fixa.
2 Comentários para “Um terraplanista econômico no IBGE”