Simone engoliu o sapo

Para consumo externo, Simone Tebet só poderia dar declarações acatando a nomeação de Márcio Pochmann para presidir o IBGE. Qualquer manifestação pública de desconforto com a escolha teria de vir acompanhada de sua carta de demissão do Ministério do Planejamento. Aí correria riscos de viver longo período no ostracismo político.

Sem mandato, não teria como se diferenciar e seria uma voz pregando no deserto por quase quatro anos. Se seu objetivo é acumular forças para ser uma alternativa viável em 2026, na hipótese de Lula não disputar a reeleição, hoje o caminho para isso é por dentro do governo.

O cálculo político não elude o fato de que Lula lhe enfiou goela abaixo a nomeação de Pochmann, numa clara violação da promessa de que a ministra teria plena autonomia na escolha de sua equipe. Ora, o IBGE é de sua alçada, portanto o presidente do instituto deveria integrar o seu time.

Não há como dourar a pílula. Na forma e no conteúdo a escolha de Lula foi desastrosa. Na forma porque sua publicização se deu atropelando Simone Tebet. O anúncio do novo presidente do Instituto não foi feito pela ministra da área, mas pelo ministro da Comunicação Social. Simone foi tratorada, numa evidência de que o presidente ainda não entendeu a simbologia dela no governo, como expressão da frente democrática. Não se dá um tratamento assim a uma personalidade cujo papel foi decisivo para a vitória de Lula.

Aí o problema começa a deixar de ser de forma, alcançando o conteúdo. Lula ainda não deu a devida valorização ao papel desempenhado por Simone na sua vitória nas urnas. Isso ficou evidenciado na própria montagem do governo, onde se vetou a nomeação dela para ministérios com maior capilaridade, como Desenvolvimento Social ou Educação. Agora subtrai-se um pedaço da pasta que ela comanda.

O PT enxerga Simone não como uma aliada estratégica, mas apenas como uma “companheira de viagem”. Muito provavelmente, como uma concorrente no horizonte futuro. A ala mais à esquerda vê o governo Lula em disputa, pretendendo avançar em áreas ocupadas por “aliados de ocasião”, daí as cotoveladas por espaço.

Lula, por sua vez, tem de fazer concessões ao PT, especialmente a esse braço esquerdo. A indicação de Pochmann enquadra-se nesse escopo. Sua nomeação deve-se ainda ao fato de o presidente se sentir em dívida de gratidão com um “companheiro” das horas difíceis. A escolha de onde encaixá-lo no governo se deu à base de onde o dano seria menor.

Se fosse para a equipe de Haddad, Pochmann, com sua visão ideológica e heterodoxa da economia, poderia comprometer uma área muito mais sensível e onde o governo vem logrando êxito. Poderia sinalizar um risco de mudança na orientação econômica do governo. Assim, para blindar Haddad, sobrou para Simone, que teve de engolir o sapo.

Pochmann está indo para o IBGE como um “comissário do povo”, assim como sindicalistas ocuparam cargos para os quais não estavam qualificados nos governos Lula 1 e Lula 2. Do ponto de vista técnico sua nomeação não se justifica. Ao contrário. Daí decorrem as resistências de parte do corpo técnico do próprio Ministério do Planejamento e de funcionários do IBGE.

Sobre ele há inúmeras ressalvas. Entre elas as do ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central no primeiro governo de Lula, Alexandre Schwartsman. Segundo ele, “Pochmann é intelectualmente desonesto e tem interesse político que coloca à frente da análise econômica”. Opinião semelhante à de Edmar Bacha, para quem o ungido de Lula “não terá problemas de colocar o IBGE a serviço de sua ideologia”. Também o desabona a passagem à frente do Ipea, criticada por ter sido intervencionista, com cobranças internas de alinhamento ideológica.

De fato, muitas das idéias de Pochmann são, no mínimo, exóticas. É de sua lavra a seguinte pérola: “Além de fortalecer o curso do processo neocolonial, o Pix aprofunda a lógica da financeirização rentista, que não se preocupa com a produção, mas com a circulação do dinheiro.” O autor da frase é prisioneiro da mentalidade dos tempos da guerra fria, comungando de um antiamericanismo anacrônico. Radicalmente contrário à autonomia do Banco Central, o chama de “sindicato dos banqueiros.”

A postura ideologizada de Pochmann não é vista como impeditiva para sua nomeação sob o argumento de que o sistema de governança do IBGE, uma instituição de Estado, é tão forte, que o instituto anda sozinho, sendo impossível a instrumentalização de suas pesquisas e a divulgação de seus resultados.

É uma tese frágil, pois finda por admitir o despreparo técnico do futuro presidente do órgão e que as críticas procedem. Ele não fará muito dano porque a resiliência do IBGE é enorme…. Então podemos respirar aliviados?

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 2/8/2023. 

Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *