Assim como Ulysses Guimarães foi o Senhor Diretas, Danilo Santos de Miranda foi o Senhor Cultura. Devemos a ele a criação do maior e melhor modelo de fomento para o setor. E que deveria servir de referência para políticas públicas do país, de exemplo para secretarias estaduais, municipais e o próprio Ministério da Cultura.
Danilo transformou o Sesc-SP, entidade que comandou por 40 anos, no maior centro de irradiação de cultura e de formação de jovens em quase todos os campos. No cinema, na música, no teatro, na dança, nas artes plásticas, nos esportes. Também envolveu escolas públicas, alunos e professores, nas mais diversas atividades promovidas pela instituição.
Sob sua batuta, o Sesc se transformou na maior potência cultural do país. Danilo não criou um projeto piloto, de pouco alcance, mas uma rede com capilaridade no Estado, oferecendo ao grande público lazer, educação, esporte, alimentação e, claro, cultura de qualidade. Mais: seu modelo se voltou para as grandes massas, atuando como centro de excelência em áreas periféricas e cidades carentes de espaços públicos e onde o Estado não se fazia presente.
A grandiosidade de sua obra se traduz em números. Mais de 15 milhões de pessoas frequentaram as unidades do Sesc paulista em 2022. Esse mar de gente pode usufruir dos 21 teatros da instituição, espaços de exposições, 89 piscinas, 123 ginásios, 38 bibliotecas e 95 salas de ginástica do maior complexo cultural-educativo do país. Das 41 unidades existentes, 26 foram construídas na gestão Danilo Miranda. Em maio, ele anunciou a construção de mais 12 unidades. Os números são impressionantes, só no ano passado, foram exibidos cerca de 1.500 filmes, realizadas 77 mostras e cerca de 6 mil apresentações artísticas.
No último domingo, aos 80 anos, esse gigante da Cultura nos deixou. Foi um exemplo de vida, dotado de uma visão holística da cultura, que, nas suas palavras, “vai além do mundo das artes: ela cuida da inserção do ser humano no mundo”. E entendeu a cultura como parte do processo educacional. Aliás, não se cansava de repetir: “Educação e cultura são elementos vitais, são o que nos torna humanos.” Na sua visão dialética, educação é cultura e cultura é educação, ”São como irmãos siameses”.
Danilo Santos de Miranda era, antes de tudo, um humanista, cujos valores permearam toda uma vida comprometida com a justiça social e o enfrentamento das profundas desigualdades da sociedade brasileira. Essa consciência veio dos seus tempos de seminarista e de militância estudantil de antes de 1964, quando foi contemporâneo do então presidente da União Nacional dos Estudantes, José Serra, e de Frei Beto.
Tempos depois, essa consciência o levaria a entender a cultura, a atividade física, a educação e o lazer como importantes ferramentas para a redução das desigualdades. Ao longo das quatro décadas à frente do Sesc, levou a instituição a se abrir para a agenda contemporânea, abordando por meio de diversas atividades questões como racismo, diversidade de gênero, direitos LGBTQIA+, respeito e valorização dos povos originários.
Não cedeu a pressões de protestos que tinham como objetivo impedir a palestra no Sesc Pompéia da filósofa queer Judith Butler, referência em estudos de gênero. Habilidoso, contornou as resistências da instância decisória das políticas institucionais, em ambiente de valores predominantemente conservadores. Danilo Miranda tinha jogo de cintura suficiente para colocar temas sensíveis dentro da instituição sem causar instabilidades e crises.
Com tantos serviços prestados à cultura e ao país, é de se estranhar que não tenha sido ministro da Cultura. Qualificação para o cargo não lhe faltava. Seu nome sempre foi especulado, mas formalmente nunca foi convidado, apesar das várias sondagens. Em todas as eleições era consultado por candidatos das mais diversas colorações políticas. Jamais se recusou a dar suas contribuições. Independentemente de suas convicções políticas, falava mais alto a causa da Cultura.
Sob seu comando, o Sesc foi uma espécie de Ministério da Cultura informal, exemplo da boa utilização de recursos públicos. Como ele mesmo dizia, daí nasceram dezenas de modelos de ações que se tornaram políticas públicas. A jornalista Fernanda Mena o definiu como uma mistura de mecenas com ministro da Cultura. Foi bem mais. Foi um organizador da Cultura, um ser humano que amava e apostava no Brasil.
No ano passado, a atriz e cantora Zezé Motta perguntou: “O que seria das artes no Brasil sem o Sesc?”
Agora é o caso de se indagar: o que será da cultura sem Danilo dos Santos Miranda, o seu maior incentivador?
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 1º/11/2023.