Sobre a matança

Israel não vai conseguir eliminar o Hamas, e sabe disso. O Hamas também não vai conseguir eliminar Israel, e sabe disso. Mas os dois continuam dizendo que vão eliminar um ao outro.

A essa altura, Israel também já deve saber que os bombardeios e a matança da população civil na Faixa de Gaza convertem o país num pária internacional. 

Até agora só teve o apoio incondicional dos EUA, mas o presidente Joe Biden já começou a modular o discurso: antes dizia que Israel tinha o direito de se defender, mas passou a acrescentar que deve combater o Hamas sem matar a população palestina inocente. 

Os EUA sabem que isso é impossível. Já foram mortos 8 mil civis nos bombardeios, metade crianças e adolescentes. A outra metade é de mulheres e idosos, na sua grande maioria. Os números só vão crescer até que Israel considere que já matou número suficiente de soldados do Hamas. Eles são, ao todo, 40 mil, segundo fontes confiáveis. Os mortos nos túneis e outros esconderijos estão muito aquém disso. Quantos não se sabe. 

O Hamas usa a população palestina como escudo desde que o grupo foi criado, em 1987. É seu modo de vida. Israel sabe disso desde aquela época. Mais do que isso, Israel estimulou a criação do Hamas. Há notícias de que até financiou a facção, para enfraquecer a indesejada e “comunista” OLP. Os gênios de Israel acabaram parindo um grupo mais sanguinário que o Isis. Agora não adianta chorar. 

Mas por que se matam afinal, sabendo que não vão se eliminar? Há vários motivos. Um deles é que Israel precisa ter um inimigo, para manter sua população sob o controle do grupo governante de extrema direita, que se acredita “do bem”. Do outro lado, o Hamas precisa que Israel exista, para manter aceso entre os muçulmanos e islâmicos o ódio à figura “do mal”. 

A base religiosa, teocrática e teogâmica (sim, de game mesmo) do conflito é essa aí. A suposta existência das entidades Bem e Mal digladiando-se até o fim dos tempos. Nas bíblias de cada lado eles buscam continuamente as passagens que melhor ilustram a discórdia e o ódio entre seus povos. 

Há poucos dias o premier Netanyahu falou em luta do bem contra o mal. Biden também. Nove décadas atrás, Hittler também. Para este, o mal eram os judeus, os comunistas, os ciganos e os homossexuais (como se não houvesse um número incontável de homossexuais nas forças nazistas). O bem, claro, era a raça ariana pura alemã. E para atingir a perfeição, catavam nas casas as crianças mais branquinhas e lourinhas e as internavam para procriarem quando crescessem. O fanatismo leva a barbaridades impensáveis pelas pessoas normais.

Outro motivo para se matarem é que dar tiros dá muito dinheiro. O Hamas é uma organização que enriqueceu velozmente com os impostos cobrados da população de Gaza por todos os produtos que entram no território. Armas são contrabandeadas do Egito e entram pelos túneis, depois de chegarem lá pelas mãos do Irã, Catar, Síria, Líbano, Arábia Saudita e outros. O Hamas paga bem por elas, e a indústria bélica agradece. 

Israel se abastece de armas,  munições e tecnologia entre as grandes potências aliadas, EUA, Reino Unido, França, principalmente. Israel tem muito dinheiro para pagar por isso (e também para desenvolver armas próprias). A indústria esfrega as mãos quando o Hezbolah e o Hamas disparam seus foguetes. 

Os palestinos não têm dinheiro, não têm riquezas naturais, não têm doadores ao redor do mundo, não têm armas. Os palestinos não têm poder, não têm nada. Eles só têm interesse para a Cruz Vermelha, o Médicos Sem Fronteiras e demais instituições humanitárias. 

Nada podem contra a guerra, a não ser que o mundo inteiro se levante. 

Nelson Merlin é jornalista aposentado e inconformado. 

2/11/2023

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