Sobre os carniceiros

Quando dois carniceiros se encontram para se matarem, restam poucas opções aos circundantes observadores da matança. Tomar partido por um dos lados é uma delas. Não leva à paz, mas ao fim da matança com o extermínio da outra parte. Leva à paz dos cemitérios. Não é o caminho.

Paz, ao contrário, pressupõe o reconhecimento do outro, de seus direitos e de sua liberdade. Pressupõe o desejo de um acordo de convivência e respeito mútuo, não só para a cessação das hostilidades, mas para virar a página, começar de novo a vida em novos termos. 

Uma segunda opção é, justamente, propor esse acordo, antes que os carniceiros matem mais inocentes. 

Hoje, 4 mil crianças palestinas já se foram, segundo contas da ONU, nos bombardeios criminosos de Israel sobre as áreas mais densamente povoadas da estreita, curta e sitiada Faixa de Gaza — onde vivem 2,1 milhões de civis, metade crianças. 

Não é preciso queimar muitos neurônios para montar um acordo de paz. Seus termos básicos estão nos acordos de Oslo, que o primeiro-ministro Isaac Rabin assinou e custou-lhe a vida. Não pela mão de fanático árabe islâmico, mas de judeu morador de um kibutz em terras palestinas. 

O que diziam esses acordos  (foram dois, em 1993 e 1994) são motivo de ódio mortal dos judeus radicais: basicamente, a criação do Estado Palestino, com a capital em Jerusalém Oriental, e a devolução das terras ocupadas por Israel na Cisjordânia. 

Em 15/10/1994, os signatários do acordo, Yasser Arafat, Shimon Peres e Isaac Rabin, receberam o prêmio Nobel da Paz. A extrema direita israelense nunca perdoou. Um ano depois, em 4/11/1995, Rabin foi assassinado em Tel Aviv pelo judeu Yigal Amir. Naquele dia, um sábado, dia sagrado para os judeus, Rabin participava de uma manifestação gigante pela paz que reunia 100 mil pessoas no centro de Tel Aviv. Ao sair do evento, foi atingido covardemente por dois tiros nas costas. 

Anos antes, após um acordo de paz anterior realizado em Camp David, EUA, em 1979, o presidente egípcio Anuar Sadat também pagou sua assinatura com a própria vida. Terroristas da Jihad Islâmica egípcia atingiram-no em 6/10/1981 com granadas e rajadas de metralhadoras durante um desfile militar no Cairo. Sadat também tinha recebido o Prêmio Nobel da Paz, em 1978, por reconhecer o Estado de Israel com uma visita surpresa a Tel Aviv no ano anterior, a primeira de um líder árabe desde a fundação do Estado judeu. 

Os carniceiros estão dos dois lados. 

É preciso acabar com eles para acabar com a guerra. Ainda acredito que o caminho para isso é o Tribunal Penal de Haia. Precedido por uma intensa ação internacional — política, diplomática, comercial e financeira — contra os poderosos mandantes das matanças. 

O bloqueio do dinheiro e das armas  é o caminho, seguido das denúncias formais ao TPI e do encarceramento dos mandantes. 

Nelson Merlin é jornalista aposentado e esperançoso. 

2 Comentários para “Sobre os carniceiros”

  1. Duro é conseguir o bloqueio de armas. É diabólico o domínio exercido pelos fabricantes.
    Nelson, 2023 se finda, sua análise é preciosíssima. Tenho imensas saudades do período de ouro das edições da Folha de Londrina sob sua direção e do João Arruda. As três fronteiras (Brasil-Paraguai-Argentina) foram melhor entendidas por um jornal plural, sempre atento além do umbigo londrinense.
    Pudéssemos, faríamos tudo de novo, né mesmo? – Digo isso inspirado por seu mantra: “jornalista aposentado e esperançoso”.

  2. Acredito que tenha sido durante a sua Direção de Redação, enviamos reportagem de Ciudad del Este mostrando a venda de armas na beira da calçada. A matéria repercutia, mas o que dava mesmo margem a interpretações ético-jurídicas era a publicidade da venda dessas armas (alemãs, israelenses, tchecas) no suplemento de turismo que o jornal publicava. Que a pedido da Polícia Federal fora suspensa, mesmo com a chiadeira dos gerentes comerciais do jornal. Rs rs

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