Rosa Weber deixa um legado

A observância da autocontenção e a discrição foram marcas registradas da ministra Rosa Weber, aposentada compulsoriamente nesta semana por completar 75 anos de idade. Nisso a ministra fez a diferença no Supremo Tribunal Federal. Estabeleceu um estilo próprio de só se pronunciar nos autos, postura bem diferente da assumida pela maioria de seus pares, especialmente dos chamados “ministros políticos”.  Soube, como nenhum outro membro da Corte, estabelecer muralhas para preservar a instituição a qual serviu por 12 anos, e à sua independência.

Ninguém nunca viu a agora ex-ministra conceder entrevistas para se pronunciar fora dos autos, participar de eventos no exterior patrocinados por empresas ou atravessar a Praça dos Três Poderes para fazer articulação política ou lobby para nomeação de membros para instâncias judiciárias. Como destacou o jurista Joaquim Falcão, “ nestes anos, ninguém viu Rosa Weber fazer acordos. Combinar votos. Buscar maiorias. Mudar argumentos para parecer vencedora. Foi apenas ela e somente ela. A dona de si mesma”.

Avessa aos holofotes em um Supremo de egos inflados e de estrelismo exacerbado, a ministra Rosa criou um modelo de comportamento que deveria servir de exemplo para todo o magistrado. Especialmente para a instância máxima da Justiça, a quem cabe a responsabilidade de adotar posturas republicanas para bem cumprir sua missão de guardiã da Constituição.

Nesse sentido serviu de contraponto ao comportamento midiático de outros ministros e a atitudes destemperadas. Rosa jamais bateria boca com um militante bolsonarista nas ruas de Nova York. Impensável vê-la em um Congresso da UNE e proferir um discurso dizendo “derrotamos o bolsonarismo”. Nem pensar sua presença em um churrasco no Palácio da Alvorada para trocar prosas com o presidente da República. Por uma razão simples: respeito à liturgia, preservação da imagem da instituição a qual pertencia.

São sobejamente conhecidas algumas das mazelas do STF. Excesso de decisões monocráticas, com a Corte atuando muitas vezes como se fosse constituída por onze ilhas. E mais grave: jurisprudências sendo alteradas ao sabor dos ventos ou de maiorias eventuais, gerando insegurança jurídica e instabilidade.  Acrescente-se ainda afrouxamento de padrões éticos, como a maioria criada para “flexibilizar” o impedimento de juízes para julgar casos em que partes sejam clientes de escritórios de conjugues, parceiros e parentes.

Rosa Weber se aposentou quando era presidente do STF. Em seu curto mandato de pouco mais de um ano enfrentou, com sucesso, o monocratismo e o abuso de pedido de vistas, responsáveis por criar instabilidades e imprevisibilidade nas decisões da Corte. Graças ao seu empenho, decisões monocráticas passaram a, obrigatoriamente, serem apreciadas pelo pleno, e foi estabelecido prazo os pedidos de vistas, que antes se arrastavam indefinidamente. Seu esforço foi no sentido de fortalecer decisões coletivas e tornar o Supremo mais ágil.

Um voto histórico de Rosa diz bem sobre o seu caráter e o compromisso com a estabilidade jurídica. Pessoalmente, sempre foi contra a prisão a partir da decisão da segunda instância. O STF já tinha se pronunciado duas vezes. Em 2009 contra a prisão em segunda instância e em 2016 a Corte mudou de posição, em julgamento apertado de seis a cinco favorável à prisão. Dois anos depois, forma-se outra maioria eventual e o tema volta à baila, a partir de um pedido de habeas corpus para Lula para não ser preso antes do transitado e julgado.

Apesar de sua posição pessoal contrária à prisão em segunda instância, a ministra votou contra o pedido de habeas corpus em respeito à jurisprudência firmada em 2016. Ou seja, para fortalecer decisão coletiva em vez de impor sua posição individual. Visava assegurar a estabilidade jurídica.

Quis o destino que Rosa Weber estivesse na presidência da Suprema Corte quando aconteceu a tentativa de golpe de oito de janeiro. Não titubeou, atuando com firmeza na defesa do regime democrático, levando o judiciário a ser ágil em resposta ao 8 de janeiro. É de sua lavra a caracterização daquele domingo como o “Dia da Infâmia”, como ela voltou a caracterizar em seu discurso de despedida do STF. À frente da Corte, levou ao plenário temas importantes, como a questão do marco temporal e a descriminalização do aborto, do qual foi relatora. E deu um voto histórico.

A marca de sua passagem pelo Supremo Tribunal Federal é a sua postura republicana, seu estilo ímpar de ater-se aos autos e de respeito à colegialidade, fundamentais para fortalecer a instituição a qual serviu por doze anos e a própria democracia. Ao sair de cena, a ex-ministra deixa um legado imenso e ingressa com a espinha ereta na história do STF.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat em 4/10/2023. 

Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *