R de Reportagem

Naqueles velhos tempos, tudo era singelo no exercício do jornalismo. A máquina de escrever, as laudas de papel… O que fez, por exemplo, o enviado especial da Folha de S. Paulo a Corumbá, para cobrir o confinamento do ex-presidente Jânio Quadros, em 1968? Ora, em seu quarto de hotel datilografou, na máquina portátil trazida de São Paulo, um texto com o que havia apurado durante o dia. Depois, de um telefone do hotel, ligou para certo número no jornal.

Atendeu o funcionário incumbido de passar para laudas o que seria transmitido pelo telefone. Começa o ditado.

— No primeiro dia de confinamento, Jânio

— Soletra! – exige o que ouve.

Era assim para nomes desconhecidos. E, para ganhar tempo, não se dizia A, de Antonio, C de Carlos, por exemplo. Valia apenas a primeira letra. O repórter ainda repetiu Jânio, mas não houve jeito:

— João, Ângelo, Nair, Irene, Orlando.

E a informação foi.

Agora no Jornal da Tarde, o repórter recebeu pauta para uma matéria no sertão nordestino. A cidade? Não lembra, faz décadas. Dias antes, sua colega Marinês Campos, pioneira na reportagem policial, foi jogada em uma cela onde havia presas. Saiu de lá com os dados para uma bela reportagem. Sílvio Santos não cochilou. Entrevistou-a em seu programa.

Então, o repórter chega na pequena cidade, tira os óculos Ray-Ban e os guarda, e bate palmas ao acaso em uma das modestas casas. Uma senhorinha abre a porta.

— Bom dia, minha senhora. Nós somos do Jornal da Tarde, de São Paulo…

E a ela:

— Ah! Como vai a Marinês Campos?

O gesto de tirar os óculos, usados apenas em lugares muito ensolarados, tinha o propósito de facilitar a empatia. Não parecer que ali estava uma pessoa importante. Quanto à vestimenta, camisa de dois bolsos, para guardar laudas dobradas para as anotações, caneta Bic de quatro cores, gravador a pilha (pequeno, surgido no País em tempos mais recentes). Em um bolso da calça os documentos pessoais, no outro um canivete suíço.

O canivete servia, entre eventuais usos, para consertos em hotéis velhos. Em um deles, um choque de 220 volts foi o resultado da tentativa de reparar um abajur. Quanto à Bic, cada entrevista era anotada em uma cor. Assim ficavam mais fáceis de achar. O desenho de um círculo, com um núcleo dentro, destacava que ali estava um dado importante.

Nas viagens, o repórter usava uma mala de mão, com a qual podia embarcar nos aviões. Chegado ao destino, enquanto os passageiros iam para a esteira, esperar por sua mala, ele já estava embarcando em um táxi ou no carro de uma locadora reservado pelo jornal.

E a bolsa de lona verde, muito útil em certas matérias? Ficou velha, desgastada, mas continuava boa de usar. Por que comprar outra? As mulheres da família não se conformavam. Deixada em casa em uma viagem, resolveram o problema: jogaram no lixo!

Esta crônica foi originalmente publicada no blog Vivendo e Escrevendo, em 17/7/ 2023.

3 Comentários para “R de Reportagem”

  1. Valdir, alguma vez já contaste outra, sua, de Manágua, quando Somoza “vazava”? No início da madrugada, tu ditando a manchete do JT ao secretário gráfico, só ele capaz de parar as rotativas.

  2. Eis a resposta do Valdir:

    Estimado Montezuma, no episódio que levou à manchete do JT sobre a queda do Somoza, três profissionais atuaram bem. Antes de deixar a Nicarágua, o sujeito suspendeu as comunicações com o Exterior. Pelas duas da madrugada, eu já deitado, desolado, o telefone toca! Era a heroica telefonista do Estadão que ficou tentando até conseguir falar. As comunicações haviam sido restabelecidas. Passei para o César Camarinha, na secretária gráfica, que deu um “parem as máquinas!”e trocou a manchete pelo Caiu o ditator Somoza. Pena que não guardei o nome da telefonista.

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