Por quê?

A Polícia Rodoviária Federal, que o governo passado transformou em força de repressão, tirou a vida de mais uma vítima inocente de seus desmandos nas rodovias do país. 

A pequena Heloísa, de 3 anos, foi sacrificada no altar do banditismo fardado, que assume por sua própria conta a postura de primeiro atirar e matar para depois perguntar. 

Não foi uma bala perdida. Foram tiros de fuzil disparados pelas costas contra um automóvel em movimento e com a luz de seta indicando que o motorista ia estacionar no acostamento, obedecendo à ordem de parar da viatura policial. A menina estava no banco de trás com sua irmã, maior mas também pequena, e uma tia. No banco do motorista ia o gerente de farmácia Willian dos Santos, dono do carro e pai das crianças, e no banco ao lado sua mulher, Alana, a mãe delas. Estavam indo para casa em Petrópolis-RJ. 

A viatura da PRF fuzilou o automóvel pelo prazer de atirar, ao verificar que havia registro de carro roubado com aquela placa. Podia ser uma placa clonada, mais uma das milhares que andam por aí e não correspondem aos veículos em que foram instaladas. Podia ser também um “simples” erro do sistema. Mas os fardados não tiveram dúvida nem queriam perder tempo. A chance de matar primeiro e perguntar depois estava posta na rodovia. 

Já faz tempo que as polícias se converteram em grupos armados de ameaça à vida dos cidadãos e cidadãs honestos deste país. Dessa matança indiscriminada, mas dirigida, preferencialmente, à população negra, nem as crianças escapam. Não é obra exclusiva de um governo, mas de uma cultura que se enraizou e brutalizou ainda mais com a política golpista e armamentista dos últimos ocupantes do Palácio do Planalto e seus aliados em palácios estaduais.

Poucas vozes soaram indignadas diante do crime brutal. A pequena Heloísa dos Santos Silva morreu no hospital nove dias depois, tempo mais que suficiente para nossas autoridades se pronunciarem maciçamente contra a violência descabida e desumana de agentes do Estado. Foram poucas e rápidas. O ministro Gilmar Mendes, decano do STF, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva — Silva como ela. 

Em Nova York, para onde foi nosso presidente cumprindo agenda internacional relevante, o banditismo da polícia nos anos 60/70 do século passado levou à demissão de toda a força pública. Não se sabia mais se os crimes eram da máfia ou da polícia. Corpos se empilhavam nas ruas, automóveis, restaurantes e barbearias — os locais preferidos da máfia e da policia para as execuções. 

Lá, a autoridade deu um basta. Aqui, perdemos a capacidade de nos revoltar. O Brasil da indignação não existe mais. Sempre fomos fracos nisso. De todas as barbaridades da ditadura militar de 64/84, somente o assassinato do menino Édson Luís pela polícia comoveu o país. O que existe são inquéritos, desculpas, medidas disciplinares, talvez uma ou outra troca de comando, algumas demissões na calada da noite, para ninguém saber. 

E o bando fardado se fortalece. E nos cemitérios os inocentes que sobrevivem choram a cada dia os seus mortos. 

Nelson Merlin é jornalista aposentado. 

21/9/2023

 

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