Calote contratado

Cuba vive a sua maior crise econômica desde o “período especial” dos anos 1990. À época, o país entrou em colapso com o fim da União Soviética, de quem recebia – entre outros benefícios – petróleo bem abaixo dos preços internacionais. Sobreviveu graças ao petróleo venezuelano, fornecido por Hugo Chávez também com generosos subsídios. Essa torneira fechou com a interminável crise na Venezuela e com a queda brutal do turismo, principal fonte de divisas do país caribenho.

Sem condições de honrar seus compromissos externos, entre eles a dívida de U$ 561 milhões pendurada no BNDES, o regime cubano reivindica junto ao governo Lula a renegociação de sua dívida. Quer obter novas vantagens por meio do alongamento do prazo de pagamento. Os empréstimos brasileiros já foram generosos no seu início, concedendo 25 anos para Cuba quitar sua dívida.

O prazo se encerra em 2038, caso não seja alongado. Mas faz cinco anos que a Ilha deixou de pagar as parcelas devidas. Agora quer honrá-las por meio de commodities cubanas. Leia-se charuto e rum. Apesar de ser um empréstimo do BNDES, quem arca com o prejuízo causado pelo calote é o Tesouro brasileiro, por ser o avalista via Fundo de Garantias às Exportações.

É visível a simpatia do presidente Lula com o pleito da ditadura de Cuba. Sua estratégia é ignorar as causas internas do colapso do “socialismo cubano” e culpar o bloqueio comercial promovido pelos Estados Unidos como o único responsável pela crise social e econômica do país caribenho.

O discurso que Lula fez nesta terça-feira nas Nações Unidas vai na mesma direção: “O Brasil seguirá denunciando medidas tomadas sem amparo na Carta da ONU, como o embargo econômico e financeiro imposto a Cuba e a tentativa de classificar esse país como Estado patrocinador de terrorismo”.

Essa é a senha para o governo brasileiro “escalonar a dívida cubana”.

Lula embaralha as cartas. Coloca em uma mesma cesta a posição histórica do Brasil de condenação do bloqueio e o alongamento da dívida cubana. Esse também foi o sentido de seu discurso na reunião dos países do G-77, realizada em Cuba na última sexta-feira. Por sua lógica, Cuba só terá condições de honrar seus compromissos externos quando tiver fim o bloqueio. Até lá, a viúva que arque com os prejuízos.

Não se ignora o tamanho da crise do país de Fidel. Desde 2021 mais de 250 mil cubanos migraram para os Estados Unidos, engrossando, assim, o enorme contingente de exilados sociais. O desabastecimento é generalizado e não se limita ao de combustível. Estende-se por todos os setores. Até mesmo para a outrora vitrine do regime implantado por Fidel Castro, a saúde: pessoas estão morrendo por falta de antibióticos.

A solidariedade e empatia com o sofrimento dos cubanos não pode, contudo, servir de pretexto para que a política externa brasileira abra mão de um de seus pilares: a defesa dos interesses nacionais. Estes foram contrariados desde o primeiro empréstimo da gestão do petista. E vale lembrar que Venezuela e Moçambique também não quitaram seus contratos.

Alongar a dívida cubana, uma espécie de calote disfarçado, é abrir novos precedentes de ajuda a esses países e atentar de forma insidiosa aos nossos interesses.

Quando, no governo Lula, o Brasil financiou via BNDES as obras do Porto Mariel, o discurso oficial a justificar esse investimento foi o de que o Brasil se beneficiaria de uma plataforma de exportação para os Estados Unidos e o Caribe. O empresariado brasileiro também entrou na onda, mas a dura e crua realidade transformou os devaneios em pó. Mariel não desempenhou o papel estratégico imaginado. Ou seja, suas obras atenderam aos interesses do regime fidelista e não aos nossos interesses nacionais. A não ser os da Odebrecht, a executora da obra, mas esse foi apenas mais um capítulo das relações promíscuas entre o público e o privado.

Para justificar o alongamento e novos investimentos na Ilha, Lula deu a Cuba o selo de “bom pagador”. Não é bem assim. Nem ela nem a Venezuela, a outra ditadura amiga que não honra seus compromissos

Há um precedente de renegociação da dívida sobre o qual nosso governo deveria refletir. Em 2015 Cuba assinou com o Clube de Paris um acordo, nos termos do que está querendo assinar com o Brasil: abatimento do tamanho da dívida, uso de moedas alternativas ao dólar ou recebíveis de commodities cubanas.

Pois bem, o próprio Clube de Paris está profundamente cético quanto à possibilidade de Cuba retomar os pagamentos de sua dívida no curto prazo. O Clube já dá como certo o calote. Se for pelo mesmo caminho, o Brasil estará contratando o calote. Esse é o risco que corremos.

Não se conhece o teor da reunião de Lula com ditador cubano Miguel-Dias Canel, realizada quando da visita. Por enquanto esse é um segredo guardado a sete chaves. Seria ingenuidade crer que os dois não trataram da dívida cubana. Até porque já circula no governo brasileiro um documento sobre a “flexibilização”, nos termos pleiteados pelos cubanos.

Existem dois fatores que estão levando Lula a dar uma “mãozinha” à ditadura.  Primeiro deles é o viés ideológico da atual política externa, ditada pelo antiamericanismo. O segundo é a temerária intenção de Lula em voltar a financiar exportações brasileiras para Cuba e fazer novos investimentos na Ilha.

Isso será impossível se não for equacionada a questão da dívida. O governo pode muito, mas não pode tudo. A legislação brasileira diz que renegociações de dívidas devem ser aprovadas pelo Senado Federal.

Se conseguir contornar esses obstáculos e retomar financiamentos à falida ditadura cubana, o governo Lula estará firmando um contrato do calote que virá logo em seguida.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 20/9/2023. 

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