Trinta e cinco anos após a sua fundação, o Partido da Social-Democracia Brasileira pouco, ou quase nada, tem a ver com o partido fundado por Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso, Franco Montoro, José Serra, José Richa e uma legião de grandes homens públicos do Brasil.
Quando veio à luz, em 25 de junho de 1988, o PSDB se dispunha a ser uma alternativa para o “povo brasileiro chocado com o espetáculo do fisiologismo político e da corrupção impune; descrente de partidos políticos que não correspondem ao voto de confiança recebido do eleitorado”.
Hoje nem de longe lembra os tempos de quando era uma das três maiores agremiações no Congresso e que, quando no poder, combinou políticas públicas universais como o Comunidade Solidária com a modernização da economia.
Aquele partido, com personalidade e marca própria, que fez história no governo Fernando Henrique, se descaracterizou.
Ao voltar para a planície o PSDB não soube defender seu legado e perdeu sua identidade. Na disputa presidencial de 2002 assumiu um discurso de candidatura de ruptura com o governo FHC. Em 2006 renegou as privatizações. Na oposição, votou contra a CPMF e esbravejou contra a reeleição, o mandato de quatro anos e até a urna eletrônica, tudo instituído quando era governo.
Nos dias que correm já não é um pólo de atração de intelectuais de peso como foi no passado. A legenda sobrevive, mas sua alma se perdeu. Hoje é um corpo amorfo, sem definições programáticas. No Parlamento, não consegue imprimir selo próprio, tornando-se nanico diante da oposição capitaneada pelo bolsonarismo.
Para entender o processo de perda de identidade é preciso retroceder aos tempos em que abdicou do seu legado quando o Partido dos Trabalhadores chegou ao poder. Paulatinamente, como observou Sérgio Fausto, cientista político e diretor-executivo da Fundação Fernando Henrique Cardoso, os tucanos foram se movendo para a direita.
A descaracterização do PSDB não aconteceu da noite para o dia. Foi um processo iniciado nas eleições de 2002 e agravado nas disputas seguintes, com alguns soluços: foi o grande vitorioso das eleições municipais de 2016 e, na corrida presidencial de 2014, se cacifou novamente para a alternância de poder.
Mais recentemente os tucanos tentaram surfar na onda da extrema-direita, mas foram tragados por ela. Exemplo emblemático dessa tentativa de pegar carona no bolsonarismo aconteceu em 2018, na disputa do governo de São Paulo.
Sem formular novo projeto de nação, os tucanos acompanharam, acriticamente, a guinada da sociedade para a direita. Findariam por serem engolidos.
A desfiguração cobrou preço alto. Os tucanos perderam protagonismo nas disputas presidenciais, a ponto de em 2022 sequer ter candidato próprio, e, depois de 28 anos no poder, ser derrotado no governo de São Paulo. Hoje, o partido tem três governadores e apenas 14 deputados federais e dois senadores.
As fronteiras entre o PSDB e o bolsonarismo ficam cada vez mais tênues e é motivo de acirrada luta interna.
Em São Paulo não houve consenso sequer para a realização de um ato de comemoração, no último domingo, dos 35 anos de fundação do PSDB. O motivo da discórdia foi a participação do presidente estadual do partido, Marco Vinholi, no ato de filiação do prefeito de Jundiaí, Luiz Fernando Machado, que abandonou o ninho rumo ao Partido Liberal. Estavam presentes Jair Bolsonaro e o presidente da PL, Valdemar Costa Neto, que apontou Vinholi como a presença mais importante da festa.
A grande interrogação é se o PSDB pode reencontrar sua identidade e voltar a ter protagonismo na vida política nacional. Na data do seu 35º aniversário seus governadores Eduardo Leite, Raquel Lyra e Eduardo Riedel publicaram um artigo no qual reconhecem a necessidade de o PSDB se reposicionar para voltar a ser “o partido do presente e do futuro”.
Não se nega a existência de militantes e quadros valorosos em suas fileiras. Mas não se pode ignorar que, como corrente, não se enxerga a existência das duas vertentes que estão na sua origem: a social-democracia e a democracia cristã. A geração dos “cabeças brancas” vai desaparecendo e a nova geração é filha do processo de direitização dos tucanos. Mudou sua base social e a cara de seus políticos. Isso leva o PSDB a não ser, hoje, uma legenda distinta da geléia que conforma a vida partidária nacional.
Não há mais em suas fileiras políticos com o perfil de um Mario Covas, de um Fernando Henrique, de um Serra ou de um Montoro. Faltam lideranças capazes dar um norte ao partido. De levá-lo a reconciliar-se com os valores originais da social-democracia para voltar a ser o partido da modernidade e da justiça social.
Daí se entende o ceticismo de muitos quanto à possibilidade de a social-democracia brasileira se reinventar e voltar a ser uma alternativa programática e de longo prazo para o país.
O mais provável é que fique tateando no escuro, em busca da identidade perdida, ora pendendo mais para a direita, ora mais ao centro. Mas, sem uma marca que o diferencie das demais legendas, estará condenado ao papel de coadjuvante na política brasileira.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 28/6/2023.