Não pecarás

— Tira essa mão daí! 

O sujeito levou um susto com a voz surgida não sabia de onde, e rapidamente retirou a mão da blusa entreaberta da namorada. O casal recompôs-se, mas não havia mais clima para nada. Ergueu-se do banco e se foi.

O banco era um entre vários do belo jardim onde estava a igreja do bairro. Ficava à margem de uma calçada, mas quase escondido por folhagens que o cercavam. Os casais mais ardorosos davam-lhe preferência. O único problema era a voz:

— Recomponha-se! Pare de subir essa saia.

Apesar da situação um tanto assustadora, os namorados continuavam a buscar o banco. Pois nenhum dos usuários importunados pela voz comentava com amigos sobre o fenômeno. Não iam dizer “a gente estava se agarrando e uma voz atrapalhou tudo”.

A propósito: de onde vinha ela? A janela de um sobrado, situado exatamente naquele ponto, mas no outro lado da rua, estava sempre entreaberta. Quem imaginaria que o velho Alcebíades, o carola mais empedernido da paróquia, vigiava pela fresta o assento da perdição?

Não vá o prezado leitor achar que se tratava de voyeurismo. Era, na verdade, um cuidado aflitivo pela salvação daquelas almas pecadoras. Cabia-lhe fazer algo….

A solução surgiu na tarde em que Alcebíades recebeu a visita de um sobrinho, o Otavinho. Foram à fresta. Lá estava o despudor.

— Eu gostaria de pedir a eles que parassem com essa sem-vergonhice – disse o tio. – Mas teria que gritar daqui.

Ora, Otavinho era um craque em comunicação. Concebeu um alto-falante escondido nas folhagens, alimentado por uma bateria, e um microfone. Havia um problema. O equipamento e seu uso sairiam caro… – Tenho algumas economias – respondeu o tio.

E a libidinagem passou a ser interrompida pela voz ameaçadora.

— Pecadores! Parem com essa indecência!

Paravam na hora, até que… Um namorado contou para um amigo o que lhe acontecera, o caso espalhou-se, e ninguém mais esteve no banco.

— Gastei o que podia e não podia, mas venci o pecado! – disse Alcebíades para o sobrinho, ao telefone.

Não se conteve. Foi à igreja e contou tudo para o padre Arlindo. O padre caiu das nuvens.

— Jogou dinheiro fora. Era só eu mandar o jardineiro cortar as folhagens.

Isso foi feito no dia seguinte. O banco ficou escancarado para a rua, e sem uso. Qual casal iria se expor naquela vitrine?

O beato ficou bem.

— Garanti meu lugar no céu.

Esta crônica foi originalmente publicada no blog Vivendo e Escrevendo, em 30/4/2023. 

Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *