Santo Amaro do Maranhão: 16.129 habitantes. Apenas 4,2% têm trabalho remunerado, 60% deles recebendo até meio salário mínimo. O município, na rabeira entre os mais pobres do país, paga R$ 4 mil por mês para cada um de seus 11 vereadores. O absurdo se repete em mais da metade das cidades brasileiras, 32,5% delas – 1.704 das 5.570 – incapazes de arcar com suas despesas funcionais, sobrevivendo de repasses federais e estaduais. A 237 quilômetros da capital São Luís, a Santo Amaro maranhense é só uma ponta da indecente teia de gastos públicos que abastece privilegiados e eterniza a miséria.
Congresso Nacional. Os 513 deputados federais, 27 senadores da legislatura anterior e os que deixaram a Casa receberam R$ 39,3 mil cada um a título de auxílio-mudança para Brasília ou para voltar aos seus estados. Nada menos do que R$ 40 milhões acintosamente desperdiçados em um mimo que inclui até reeleitos já residentes na capital e parlamentares do Distrito Federal. Essa outra ponta é apenas um dos milhares de exemplos da farra que se faz com o dinheiro dos impostos.
O cruzamento de dados do IBGE com o Índice de Gestão Fiscal (IFGF) da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), ambos tendo como base o ano de 2020, e os do site Transparência Brasil, escancaram o que o país sabe e insiste em esconder sobre o destino dos impostos pagos pelo cidadão: gasta-se muito – e muito mal.
Ainda que não seja mensurável em volumes de dinheiro, os arranjos de desperdício, leniência, má-fé e corrupção que unem essas pontas inviabilizam o país. Tanto faz se na rica e soberba Brasília ou nos quase 2.700 municípios que simplesmente não conseguem pôr um único real em investimentos em prol dos que neles vivem.
No Maranhão, estado das quatro cidades brasileiras mais pobres, Matões do Norte, com 17 mil habitantes, tem 9 vereadores ao custo de R$ 5 mil cada, mesmo número de representantes da Câmara da pequena Primeira Cruz, com 15,5 mil moradores e salários mensais de R$ 6,1 mil para os seus parlamentares. Cajari fecha o grupo com 10 vereadores a R$ 3,5 mil para representar 19 mil habitantes. E não há uma viva alma com culhões para discutir o valor pago aos edis, a quantidade e a necessidade deles.
As chances de o Congresso mexer em suas próprias regalias também são nulas. Ao contrário. A tendência é de gastos crescentes. A verba parlamentar deu um salto significativo na esteira da reeleição do presidente da Câmara, Arthur Lira. A cota para suporte a deslocamentos saltou de R$ 45 mil para R$ 51 mil mensais, o reembolso-combustível foi de R$ 6 mil para R$ 9,4 mil e a verba de representação de R$ 111,6 mil para R$ 118,3 mil. E, usando o chapéu dos pagadores de impostos, o bonzinho Lira já prometeu novos aumentos até 2024.
O Judiciário não fica atrás. Suas verbas de custeio cresceram 40% em dois anos e os salários dos ministros do Supremo, que regem os demais vencimentos de servidores públicos do país, serão reajustados a partir de 1º de abril, passando de R$ 39,3 mil para R$ 41,6 mil, com novos aumentos já aprovados para 1º de fevereiro de 2024 e de 2025.
No Executivo, tanto na União quanto nos estados, é uma festa. Na esteira do STF, o presidente da República e seus ministros também tiveram seus salários elevados em 16,3%. Nas empresas estatais, os vencimentos chegam a R$ 80 mil no BNDES, passam de R$ 100 mil na Petrobrás.
Mais grave do que salários estratosféricos em um país no qual 30% vivem na miséria são a incompetência e a leniência. Nesta semana, o Tribunal de Contas da União deve se reunir com governadores de Minas Gerais, Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco para apresentar um relatório no qual aponta erros fatais na prevenção aos desastres naturais. Nele, constata-se que o dinheiro público destinado às emergências como as que aniquilaram São Sebastião durante o carnaval não é utilizado ou, quando é, some nos escaninhos da burocracia: demora 100 dias para chegar na assistência aos vitimados. Em suma, dinheiro jogado no lixo.
Somam-se ainda gastos inexplicáveis, como os R$ 75 milhões no cartão corporativo do ex-presidente Jair Bolsonaro. E os abomináveis, a exemplo dos R$ 432 mil em diárias e alimentação da equipe de apoio do ex nos Estados Unidos, pagos com o suado dinheirinho dos brasileiros. Pode até parecer coisa pequena, mas em menos de três meses Bolsonaro consumiu 86% do volume de R$ 502 mil despendidos pela União para seis ex-presidentes em todo o ano de 2021.
O rol de impropriedades com o dinheiro público em todas as esferas de poder é quase infinito. Mas, em vez de ser um norte para impulsionar mudanças, a gastança desenfreada é avalizada por cada novo plantel que assume o comando. Isso inclui o sr. Luiz Inácio Lula da Silva e os acordos de “governança” com o Centrão e cia que, como se sabe, só visam a manter privilégios.
O Brasil é um imenso Santo Amaro do Maranhão.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 26/2/2023.