Que crise!

Li na imprensa, e não nas mídias sociais, que são antros de boatarias e pseudo notícias de agentes da direita e extrema direita, que os investimentos estrangeiros na B3 aumentaram durante o mês de janeiro. E não foi pouca coisa. Do dia 2 ao dia 31 subiram 3,9%, enquanto o tal “mercado” chiava e vertia lágrimas de crocodilo contra o que via como ameaças à política econômica liberal por parte do recém empossado governo Lula.

Diziam que a escolha de Haddad para o Ministério da Fazenda, a pauleira de Lula contra os juros, o Banco Central e a insensibilidade dos que querem ver como prioridade o fiscal e não o social, tudo isso junto e misturado ia dar um caldo de crise e fuga de capitais. Ora, que crise! Ao invés de fugirem, os investidores estrangeiros, que sabem das coisas, correram para a Bolsa de São Paulo.

Tem algo de palerma nas “análises” do tal “mercado”. Palermice ou segundas intenções não confessadas. O fato é que nem os atentados de 8/1 nem o genocídio contra os ianomamis e outros povos originários amazônicos espantaram os investidores. E não é possível que os “analistas” não tenham visto os movimentos de entrada e saída de capitais, que são públicos e noticiados diariamente pela Bolsa de Valores. Se não viram, é incompetência da pesada. Se viram e saíram dizendo o que diziam, é má fé.

Os juros brasileiros são abusivos e a agiotagem oficial – a do Banco Central, dos bancos públicos e dos bancos privados – come solta desde os primórdios do Plano Real, na década de 90. Quem quiser se dar o trabalho de fazer contas, basta pegar a Selic acumulada no período e comparar com a taxa acumulada de juros de mercado. A segunda dá de goleada na primeira, coisa de dez a zero ou mais. Se pegar as taxas de cheque especial e cartão de crédito, então, o placar voa para fora do estádio!

O mercado sempre fez picadinho da taxa Selic e botou os juros onde quis. E o Banco Central, faz o quê. Nada, fica olhando as águas turbulentas passando debaixo da ponte. Detalhe: com raras exceções, o BC brasileiro teve entre seus presidentes funcionários de carreira. A preferência nacional é por agentes do tal mercado.

Lembro que no primeiro plano do governo Sarney para derrubar a inflação, que então era de 40% ao mês, o ministro Dilson Funaro, da Fazenda, espantou-se com a súbita alta dos juros da banca privada, que historicamente ficavam abaixo de 3% e saltaram para 3,75% acima da inflação. Bons tempos aqueles! O ministro disse aos repórteres que assim não era possível a economia crescer e ia dar um jeito naquilo. Ainda não existia a taxa Selic, o Banco Central agia de outras formas e com outros instrumentos para balizar os juros.

Mas o Plano Sarney não deu certo e o ministro caiu, os que vieram depois também caíram em pouco tempo e sucessivamente e os juros ficaram ao deus dará. O tal mercado gostou da brincadeira e a agiotagem comeu solta, sob a justificativa de que os bancos precisavam se proteger da inadimplência dos tomadores de empréstimos. Nunca vi nos livros de história do capitalismo ocidental o capitalismo se proteger do próprio capitalismo. Aqui, o capitalismo bancário tem horror e pânico ao risco. E de um fricote ao outro, tasca juros cada vez mais altos no lombo da clientela.

Como se sabe, a ganância é uma doença que se retroalimenta até estourar. Em 2007/2008 estourou nos EUA e no mundo, mas por aqui ninguém se incomodou. Enquanto lá os juros despencaram e em alguns países caíram abaixo de zero, por aqui subiram alegremente. Ficamos tão acostumados aos juros escorchantes que achamos normal a banca cobrar o que quer.

Ser dono de um poço de petróleo no Texas é uma sorte para a vida de gerações da mesma família. Durante séculos acreditava-se que não houvesse melhor negócio na face da Terra. Mas tem sim. Adivinhe onde!

Nelson Merlin é jornalista aposentado. 

 

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