Mágoas e mentiras

     É de ladrãozinho sem vergonha para baixo, até chegar a rato de esgoto, que o ex-aliado figadal Abraham Weintraub trata, em declaração recente, seu ex-chefe, por quem daria os próprios dentes nos tempos em que o bolsonarismo — o que quer que esse palavrão signifique — era a ilusão de muita gente descabeçada e o pesadelo dos que tinham a cabeça no lugar.

     Weintraub era um dos descabeçados mais ardentes. Quando a ficha caiu, viu-se só e abandonado numa cadeira do Banco Mundial nos EUA, enquanto uma penca de dólares caía todo mês em sua conta bancária. Bom salário para não ser preso e ficar de boca fechada. Mas nem as verdinhas ajudaram. Weintraub fez-se, de amigo, inimigo mortal.
     Eram unha e carne. Eu não conseguia deixar de pensar no outro quando um dos dois falava de uma coisa ou de outra. Haviam nascido com o mesmo cordão umbilical.
     Não sei quanto tempo vão durar as juras de ódio dos dois. Nem me interessa. O que me encanta é o pau comendo e a cara de pau do ex-chefe lustrada com óleo de peroba, não com relação ao ex-fanático-amigo, mas no que diz respeito aos inquéritos que começaram a rolar nas salas de interrogatório da Polícia Federal. 

     Muito diferentes, aliás, daquelas dos órgãos de repressão da ditadura de que ele tanto gostava. Ele deve ter estranhado, deve ter achado sem graça. Foi tratado com a deferência que o ex-amigo não daria a um rato. 

     São tão amigáveis e humanas as salas da PF que o ex-futuro presidenciável — dou a inelegibilidade como favas contadas — expôs com a maior cara de pau uma reação também humana, ao contar que de modo algum e jeito nenhum faria um ataque à democracia como o de 8/1! Nem mandaria alguém falsificar um cartão de vacinas para não ter problema nos EUA — imagine! A reação da mentira ante o fato inexorável da culpa deslavada é humana. Não precisa ser um rato para reagir assim, embora esteja muito próximo disso. 

     Na fraude das vacinas, jogou a culpa nas costas do ajudante de ordens — recurso manjado que cansei de ler nos livrinhos de detetives e da Agatha Christie, onde o mordomo sempre tinha alguma coisa no cartório. 

     No atentado de 8/1, a culpa foi para os comunistas. Isto é, os petistas recém empossados na presidência da República! É a mesma coisa que dizer que a vítima foi culpada do assalto porque não correu do assaltante. 

     Mas há controvérsias. Nas redes sociais, o eleitorado ultradireitista do ex-chefe xinga as Forças Armadas de covardes, em posts longos e detalhados. Foi delas a culpa, por não terem dado o golpe com a devida antecedência. O ex-chefe não ousa tanto. Mas em qualquer caso ou qualquer que seja a desculpa, a mentira é a principal peça de defesa e propaganda. Goebels e Maluf ensinaram e eles aprenderam. 

     Não vejo o PT como um partido imaculado. Mas não fez nada sozinho outrora. Estavam com ele o partido do Waldemar — agora bolsonarista desde criancinha —, o partido do Lira, um bolsonarista de carteirinha agora muy amigo pero no mucho de Lula, e o partido do Temer, conselheiro bissexto do napoleão de hospício. 

     Os três partidos se juntaram ao PT nos ilícitos que ficaram conhecidos como mensalão e petrolão, nessa ordem. Recordo que Lula 1 demorou-se a  nomear os indicados para entrarem no ninho da Petrobras. Virou uma novela. Quase pôs por água abaixo a trama, pois o PP de José Mohamed Janene tinha pressa e ameaçava a todo instante fazer o caldo desandar. 

     A desculpa é que os partidos governistas tinham que ter assento dentro da maior estatal brasileira (e uma das maiores do mundo), para melhor servir aos interesses do governo. E os atos se deram. 

     Algo me diz que o primeiro ato para mudar o país em que nascemos é acabar com a hipocrisia e, de quebra, o cinismo. Não só de políticos, como também de empresários oportunistas e eleitores descabeçados desconectados da realidade. Isso se deve fazer introduzindo o ensino da Ética nos bancos escolares, porque é de pequeno que se torce o pepino. 

     Mas se o mundo acabar em 2050, como prevêem antigos cálculos de astrônomos renomados, que espero sejam tão falhos quanto os dos meteorologistas, o mundo vai acabar antes. 

     Precisamos de mais tempo, Senhor! 

Nelson Merlin é jornalista aposentado e suplicante. 

25/5/2023

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