Muito diferentes, aliás, daquelas dos órgãos de repressão da ditadura de que ele tanto gostava. Ele deve ter estranhado, deve ter achado sem graça. Foi tratado com a deferência que o ex-amigo não daria a um rato.
São tão amigáveis e humanas as salas da PF que o ex-futuro presidenciável — dou a inelegibilidade como favas contadas — expôs com a maior cara de pau uma reação também humana, ao contar que de modo algum e jeito nenhum faria um ataque à democracia como o de 8/1! Nem mandaria alguém falsificar um cartão de vacinas para não ter problema nos EUA — imagine! A reação da mentira ante o fato inexorável da culpa deslavada é humana. Não precisa ser um rato para reagir assim, embora esteja muito próximo disso.
Na fraude das vacinas, jogou a culpa nas costas do ajudante de ordens — recurso manjado que cansei de ler nos livrinhos de detetives e da Agatha Christie, onde o mordomo sempre tinha alguma coisa no cartório.
No atentado de 8/1, a culpa foi para os comunistas. Isto é, os petistas recém empossados na presidência da República! É a mesma coisa que dizer que a vítima foi culpada do assalto porque não correu do assaltante.
Mas há controvérsias. Nas redes sociais, o eleitorado ultradireitista do ex-chefe xinga as Forças Armadas de covardes, em posts longos e detalhados. Foi delas a culpa, por não terem dado o golpe com a devida antecedência. O ex-chefe não ousa tanto. Mas em qualquer caso ou qualquer que seja a desculpa, a mentira é a principal peça de defesa e propaganda. Goebels e Maluf ensinaram e eles aprenderam.
Não vejo o PT como um partido imaculado. Mas não fez nada sozinho outrora. Estavam com ele o partido do Waldemar — agora bolsonarista desde criancinha —, o partido do Lira, um bolsonarista de carteirinha agora muy amigo pero no mucho de Lula, e o partido do Temer, conselheiro bissexto do napoleão de hospício.
Os três partidos se juntaram ao PT nos ilícitos que ficaram conhecidos como mensalão e petrolão, nessa ordem. Recordo que Lula 1 demorou-se a nomear os indicados para entrarem no ninho da Petrobras. Virou uma novela. Quase pôs por água abaixo a trama, pois o PP de José Mohamed Janene tinha pressa e ameaçava a todo instante fazer o caldo desandar.
A desculpa é que os partidos governistas tinham que ter assento dentro da maior estatal brasileira (e uma das maiores do mundo), para melhor servir aos interesses do governo. E os atos se deram.
Algo me diz que o primeiro ato para mudar o país em que nascemos é acabar com a hipocrisia e, de quebra, o cinismo. Não só de políticos, como também de empresários oportunistas e eleitores descabeçados desconectados da realidade. Isso se deve fazer introduzindo o ensino da Ética nos bancos escolares, porque é de pequeno que se torce o pepino.
Mas se o mundo acabar em 2050, como prevêem antigos cálculos de astrônomos renomados, que espero sejam tão falhos quanto os dos meteorologistas, o mundo vai acabar antes.
Precisamos de mais tempo, Senhor!
Nelson Merlin é jornalista aposentado e suplicante.
25/5/2023