De volta ao passado

Desde os anos 80 o Brasil vive acentuado processo de desindustrialização, em decorrência do esgotamento do modelo de substituição das importações. Baseado em subsídios e reserva de mercado, esse modelo gerou um parque industrial de baixa produtividade sem conseguir se inserir nas cadeias produtivas globais.

Caminho inteiramente oposto seguiu o agronegócio brasileiro. Tem presença e papel internacional importante, tornou-se competitivo investindo em inovação e em ganhos de produtividade. Hoje somos um país exportador de bens primários e importador de bens de alto valor agregado, o que não é necessariamente um problema.

A desindustrialização do Brasil se deu por uma escolha política de um modelo fechado e protecionista, adotado desde o período nacional-desenvolvimentista. Mais ao menos no mesmo período a Coréia do Sul, então uma sociedade atrasada, iniciou um processo com um modelo de industrialização voltado para o mercado internacional. Hoje a renda per capita da Coréia é quase quatro vezes a do Brasil.

Agora o governo Lula quer que o Brasil volte a se reindustrializar com velhas fórmulas que fracassaram no passado. A pretexto de proteger empregos e combater a desindustrialização, o governo prepara um pacote de socorro ao setor automobilístico, por meio de incentivos tributários, créditos subsidiados do BNDES, renovação das frotas e a volta do “carro popular” – o “fusquinha de Lula”.

Qualquer semelhança com a tentativa frustrada de Itamar Franco não é mera coincidência. O passado está de volta.

O parque automobilístico brasileiro formou-se e consolidou-se por meio de reserva de mercado vigente por décadas e décadas e de subsídios e privilégios que se perpetuaram. O pacote que Lula prepara é mais do mesmo. É mais jabuti na árvore que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, diz querer acabar. Com um agravante: tenta dar gás a uma indústria defasada tecnologicamente e na contramão de um mundo que marcha para uma economia verde e ambientalmente sustentada.

A cabeça do presidente ainda está parada no tempo em que o chão de fábrica era o do modelo fordista de linha de produção, do qual emergiram o próprio Lula e o sindicalismo do ABC paulista. Apesar dos embates salariais, as montadoras e seus trabalhadores sempre se uniram para defender os privilégios do setor.

A aliança, selada em nome da “defesa do emprego”, está de volta. Está por trás do novo pacote de socorro às automobilísticas cuja influência no governo não deve ser subestimada. Não apenas Lula tem suas raízes fincadas no ABC paulista. O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, também vem desse berço.

O disparate de ressuscitar o modelo de substituição de importações não se resume ao setor automobilístico. Também está de volta a tentativa fracassada de salvar a indústria naval brasileira por meio de encomendas da Petrobras. Segundo o novo presidente da subsidiária Transpetro, Sérgio Bacci, a empresa construiu um grupo de trabalho para elaborar um plano para o Brasil voltar a construir navios. O mercado seria constituído pelas encomendas da Petrobrás.

A última vez que esse caminho foi trilhado terminou no desastre da empresa semi estatal Sete Brasil criada na era Lula 2, em 2010, na esteira da descoberta da área do pré-sal. Tinha como ponto de partida uma encomenda da Petrobrás de 29 sondas, das quais pouco ou quase nada foi entregue.

Essa aventura naval gerou enormes prejuízos, inclusive para fundos de trabalhadores, como o Petros da Petrobras, e terminou com a Sete atolada em dívidas e em processo de recuperação judicial. Sem falar que essa experiência serviu também para irrigar os dutos do escândalo do Petrolão.

A justificativa para, por meio de subsídios e reserva de mercado, ressuscitar os estaleiros nacionais é a de sempre: salvar empregos, reindustrializar o país.

Essa reindustrialização não logrará êxito baseada em modelos fracassados. O foco deveria ser na inovação, com vistas a nossa integração, de forma competitiva, nas cadeias produtivas globais.

Agora mesmo o Brasil está ficando de fora da reorganização da cadeia produtiva de semicondutores, sem tirar proveito da rivalidade entre os Estados Unidos e a China. O Japão, Taiwan, Vietnã e até mesmo o México estão se beneficiando desse conflito, passando a produzir semicondutores.

Já o Brasil fica, literalmente, a ver navios.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 17/5/2023. 

Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *