Inimigo íntimo

O Abril Vermelho do Movimento dos Sem-Terra, com a volta das invasões de terras produtivas, tornou-se em enorme dor de cabeça para Lula. Tudo o que o presidente não precisa é confronto com o agronegócio, responsável por 25% do PIB brasileiro, e com a bancada ruralista, uma das maiores e mais atuantes do Congresso.

O início de seu governo não está sendo nada fácil. O país continua dividido praticamente ao meio e há uma oposição forte e belicista no parlamento.

Nesse terreno minado, Lula terá de enfrentar o barulho da oposição em duas frentes: na CPMI para apurar a intentona bolsonarista do 8 de janeiro e a CPI da Câmara de Deputados para investigar as invasões do MST. Com suas ações os sem-terra estão dando enorme mão aos oposicionistas e dificultando a construção de pontes entre o governo e o agronegócio.

Com esse objetivo, Lula escolheu o senador Carlos Fávaro como ministro da Agricultura, embora tenha reduzido a pasta, passando a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para o ministério do Desenvolvimento Agrário. Atendeu a um pedido do MST, mas contrariou o agronegócio. A bancada ruralista articula trazer de volta a Conab para a Agricultura.

Sentindo o tamanho do desgaste provocado pela nova onda de invasões, principalmente da área da Embrapa, em Petrolina, destinada à preservação ambiental e estudos genéticos, Lula escalou exatamente o ministro da Agricultura para criticar o MST.

Pela primeira vez um membro de governo petista bateu duro nos sem-terra: “o agro produz com sustentabilidade e se apoia nas pesquisas e em todo o trabalho de desenvolvimento promovido pela Embrapa. Atentar contra isso está muito longe de ser ocupação, luta ou manifestação. Atentar contra a ciência, contra a produção sustentável é crime e crime próprio de negacionistas”.

Enfim, Lula parece ter descoberto que o MST é “muy amigo”. Mas a postura do governo tem sido a de assoprar mais e morder menos.

De um lado, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, condenou a forma de luta dos sem-terra, de outro, o da Fazenda prometeu mais verba para assentamentos. Em uma semana foram nomeados sete novos superintendentes do Incra. Cinco deles por indicação do MST.

Tais concessões, longe de arrefecer a onda de invasões, servem de estímulo. É um atestado dado pelo governo de que as invasões, ou melhor, o crime, compensa.

Há uma explicação para essas “bondades”: a relação umbilical entre o PT e o MST. Lula sente-se como se tivesse uma dívida de gratidão com os sem-terra. Foram eles que sustentaram o acampamento em frente a Polícia Federal nos mais de 500 dias em que esteve preso.

O presidente sempre foi um defensor do MST. Na noite de 25 de setembro 2022, rasgou elogios, ao ser sabatinado no Jornal Nacional durante a campanha eleitoral: “Qual foi a terra produtiva que os sem-terra invadiu? Porque os sem-terra invadiam terras improdutivas. Tinha hora que eu achava que os sem-terra estavam fazendo um favor para os fazendeiros porque tão invadindo as terras para o governo pagar. O MST está fazendo uma coisa extraordinária, tá cuidando de produzir”.

Esqueceu-se das quase duas mil invasões realizadas em seus governos, entre as quais a de uma fazenda da Cutrale, em São Paulo, onde destruíram mais de cinco mil pés de laranja. E que em 2013, no governo Dilma, os sem-terra acabaram com uma pesquisa da Universidade Federal de Alagoas.

O agronegócio queixa-se da atitude do MST de avocar para si a responsabilidade de definir qual propriedade é improdutiva e, portanto, disponível para a reforma agrária. A rigor, essa responsabilidade é do governo e deve ser definida por critérios exclusivamente técnicos, sem injunções políticas ou ideológicas. Em uma área de reflorestamento, os sem-terra usaram a seguinte justificativa para invadi-la: “ninguém come eucalipto.”

O abril vermelho leva, inevitavelmente, a uma comparação do comportamento do MST diante dos governos Lula, Dilma e Bolsonaro. Esse é o grande perigo. Semeia a percepção de que Jair Bolsonaro pacificou o campo, como o ex-presidente alardeou nas suas redes sociais.

Mesmo com os recentes mimos ao MST, governo e sem-terra entraram numa fase de DR e discutem a relação num clima de queixas mútuas. Lula faz vazar a versão de estar irritado com as invasões e o MST se queixa das críticas do ministro Alexandre Padilha. Pensa em não participar do “Conselhão” e acusa Padilha de ter escolhido um lado, o do agronegócio.

Ainda não é o fim do casamento iniciado em 1984. Lula ainda não se deu conta de que tendo o MST como aliado, não precisa de inimigo.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 26/4/2023. 

Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *