Horror

A bestialidade que novamente produz um banho de sangue entre judeus e palestinos no Oriente Médio expõe, pela enésima vez, a inércia da comunidade internacional e a impotência da ONU ante erros escandalosos do passado que criaram o Estado judeu sem criar o Estado palestino, causaram o esbulho da propriedade territorial dos palestinos que ali residiam há séculos e fomentaram o armamentismo desenfreado do lado judeu, em contraposição à pobreza econômica e militar dos palestinos.

Foi montado ali, em 1948, um circo de futuros horrores que se repetem há 75 anos. As potências da época colocaram os paus e as lonas. O picadeiro é com os judeus sionistas. Com o Reino Unido à frente, os Estados Unidos ao lado, a URSS livrando-se de seus judeus enviando-os em massa para lá. No dia seguinte já se iniciaram os choques entre os invasores e os esbulhados. 

Basta ver a desproporção das coisas ao se comparar os mapas da região de 1947/48 em diante. Israel é um Estado militar expansionista e a Palestina, que dava nome a toda a região, perde suas terras a olhos vistos até ficar com migalhas de seu território original. 

Hoje, corre o sério risco de perder inclusive as migalhas e parte considerável de sua população em Gaza, onde vivem cerca de 2 milhões dos 5 milhões de palestinos que se dividem entre essa faixa ao sul de Israel junto ao Mediterrâneo e a isolada Cisjordânia, maior, a leste, junto à Jordânia. 

O Hamas, que há anos governa Gaza, é uma serpente posta na região pelo extremismo islâmico, de um lado, e o extremismo judeu, de outro. No meio, os palestinos. O Hamas, criado em 1987, não existiria sem o extremismo judeu. Era rival da Organização pela Libertação da Palestina e convinha a Israel fortalecê-lo para enfraquecer a OLP, tida como uma organização comunista. 

Já vimos esse filme antes, protagonizado pelos Estados Unidos na Iraque, onde criaram, treinaram e armaram a Al Kaida; no Afeganistão, onde treinaram e armaram o Taliban contra os russos; e em várias outras partes do mundo, com os resultados conhecidos. 

Dois blocos da extrema direita religiosa se chocam agora: o governo de ultradireita de Netanyahu, que antes era de centro direita, e o Hamas, que sempre foi terrorista de extrema direita e antagônico aos judeus, sejam eles democratas, progressistas, ortodoxos ou retrógrados. 

Netanyahu é o centro da questão nesta guerra, não o Hamas. Se tivesse permanecido na sua posição anterior, moderada, o Hamas não teria partido para cima dos judeus. Mas radicalizou-se para ter o apoio da extrema direita de Israel, deu-lhe cargos e poder, para contar com ela numa luta pessoal contra a Suprema Corte de Justiça, que está ou estava prestes a colocá-lo atrás das grades por corrupção. A pretensão do governante — de submeter as decisões da Suprema Corte ao crivo do Parlamento (qualquer semelhança por aqui não é mera coincidência) — divide seu próprio governo e as Forças Armadas.

Por conta dos novos compromissos com a extrema direita, passou a fazer o assentamento de colonos judeus em frente ao território de Gaza e por toda a Cisjordânia, numa provocação irresponsável. 

Também comeu mosca ante os preparativos do Hamas para os ataques sanguinários, dedurados com boa antecedência pelo Egito diretamente a ele. Não deu bola e deu no que deu. 

Não será surpresa que depois desse desastre seja derrubado e preso. Merecerá a cadeia, certamente, por corrupção e crimes contra a humanidade em Gaza. Mas isso não vai resolver a questão crucial, que é a reivindicação justa e necessária de um Estado palestino e o restabelecimento das fronteiras acordadas na ONU em 1947. 

Os próximos capítulos dessa tragédia anunciada poderão ser lidos, não tanto nos noticiários de jornais e tevê, mas nos editoriais do Haaretz, principal jornal israelense, conservador, que trata o premiê em linhas mais duras e presenciais do que as mal traçadas deste escriba não presencial. 

Nelson Merlin é jornalista aposentado e horrorizado. 

12/10/2023

 

 

Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *