Pela segunda vez a política externa brasileira envereda pelo caminho da ambiguidade em uma questão relevante e sensível no cenário internacional. Assim como na guerra da Rússia contra a Ucrânia, o governo Lula agora adotou uma postura dúbia em relação ao Hamas, evitando classificar como terrorismo o ataque e assassinato de civis de Israel praticados pelo grupo fundamentalista palestino.
A posição brasileira destoa da postura adotada pelos países europeus e os Estados Unidos, unânimes em repudiar os atos terroristas do Hamas. Mais uma vez, o governo Lula fica de costas para o mundo ocidental, com quem temos fortes vínculos culturais e valores comuns, entre os quais o repúdio ao terrorismo.
O Brasil corre o risco de se isolar até mesmo no nosso continente. Domingo, no último debate da disputa presidencial da Argentina, os três principais candidatos – o peronista Sérgio Massa, o ultradireitista Javier Massa e a candidata do Juntos por el Câmbio Patrícia Bullirich – não tergiversaram em prestar solidariedade a Israel e em qualificar como terrorismo os atos do Hamas. Posição idêntica foi assumida por Cristina Kirchner, em nota divulgada à imprensa. Aliás, o candidato peronista, sem meias palavras, disse que, se eleito, a Argentina passará considerar, formalmente, o Hamas como grupo terrorista.
Lula esquivou-se de citar o autor dos ataques terroristas, ou seja, o Hamas. O presidente postou em suas redes sociais que estava “chocado com os ataques terroristas contra civis em Israel, que causaram inúmeras vítimas”.
E a nota oficial brasileira, divulgada pelo Itamaraty, mostrou ausência de diretriz do governo quanto à questão. A nota pegou mal, tal a sua dubiedade. Concretamente, abriu o flanco para os bolsonaristas acusarem o governo de ser aliado do Hamas.
Outros membros do governo Lula amenizaram na condenação ao Hamas ou até tentaram justificar a matança de crianças, idosos e mulheres.
Essa foi a linha adotada pelo ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta: “a ocupação prolongada dos territórios palestinos e a incapacidade dos fóruns internacionais de fazer cumprir as resoluções da ONU são o pano de fundo para compreendermos esse novo capítulo de um processo de violências e privações que jamais poderiam ser toleradas”.
Na mesma direção foi Celso Amorim, assessor especial do presidente para questões internacionais e na verdade principal responsável pela política externa do governo Lula. Condenou os ataques a civis, para em seguida arrematar que não foi um ato isolado: “vem depois de anos e anos e anos de tratamento discriminatório, de violências, não só na própria Faixa de Gaza, mas também na Cisjordânia”.
Há aqui uma inversão de valores e da realidade. Assim, em última instância, a culpa pelo ataque terrorista não é do Hamas, mas de Israel e da comunidade internacional. Esse posicionamento expõe a dificuldade da esquerda brasileira de se posicionar no contencioso entre israelenses e palestinos.
Uma coisa é defender a doutrina diplomática brasileira, sintonizada com a resolução da ONU de 1948, da existência tanto do Estado de Israel como do Estado da Palestina. Outra, completamente diferente, é ter uma postura de simpatia com grupos fundamentalistas como Hamas e Hezbollah, cujo objetivo é suprimir, pela violência, Israel da face da terra.
O momento é de solidariedade a Israel e de reconhecer seu direito de se defender, desde que sua reposta não seja desproporcional e observe o direito internacional. O Hamas é hoje um obstáculo para a paz. É inimaginável a existência de um Estado palestino sob o seu controle, pois se transformaria em plataforma para atacar Israel. Sem a garantia de que isto não acontecerá, os palestinos não terão assegurados seu direito de ter um estado próprio, como determina resolução da ONU.
O Brasil poderia desempenhar papel positivo para evitar a escalada do conflito. Está desperdiçando uma grande oportunidade, principalmente agora, quando se encontra na presidência rotativa do Conselho de Segurança da ONU. Bastaria manter-se fiel à doutrina diplomática brasileira, na qual ao tempo em que defende a existência dos dois estados, acompanha a ONU na condenação do terrorismo.
Mas o governo brasileiro peca pela falta de isenção e não consegue esconder sua simpatia por um dos lados, no caso o dos palestinos. Ao tomar partido, como aconteceu na invasão russa à Ucrânia, perde credibilidade para gabaritar-se a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Tal qual sua base de esquerda, o governo Lula é refém de categorias mentais anacrônicas como o terceiro-mundismo e o anti-ocidentalismo. Essas duas bolas de ferro conspiram contra uma política externa pragmática e responsável e levam o Brasil a se omitir em uma questão tão sensível como a condenação do terrorismo islâmico que mata inocentes.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 11/10/2023.