Não havia fast foods e as mulheres respondiam pela cozinha e, de quebra, a criação dos filhos. A agricultura estava em seus primórdios, e as mulheres descobriram que algumas coisas depois de cozidas e/ou fermentadas produziam beberagens muito interessantes. Foi daí que nasceu a mardita cachaça, o vinho e a bendita cerveja.
Os segredos sobre o que se passava dentro dos caldeirões borbulhantes eram guardados a sete chaves por elas. Mas alguns milênios depois os homens, cuja inteligência não era das maiores, aprenderam a fazer. Dava uma boa grana nos mercados e a cobiça era grande.
Mas a cerveja das mulheres era imbatível. Elas levavam o produto em caldeirões para os mercados e para serem logo notadas no meio da multidão usavam chapéus pretos altos e pontudos. O vestuário fazia parte do marketing.
Veio então a Inquisição e os homens cervejeiros acharam um jeito de acabar com a concorrência difamando as cervejeiras. Eram bruxas com seus chapéus pretos pontudos e vassouras, em que penduravam seus caldeirões para o transporte.
A boataria se espalhou como rastilho de pólvora. Foram acusadas de bruxaria, e os padres da Inquisição entram na história como os executores implacáveis das cervejeiras.
Desde então, a cerveja deixou de ser uma palavra feminina nas línguas românicas para se tornar uma bebida de homens para os homens. Só muito recentemente as mulheres reconquistaram parte de seu lugar na história da cerveja, como consumidoras e não mais como produtoras.
O sucesso macabro dessa fake news não incomoda nem um pouco as grandes cervejarias do mundo, cuja publicidade passa batida pela violência doméstica como efeito colateral do álcool. Mas se cada marmanjo pensar nisso antes de encher o copo, para depois bater na mulher quando chegar em casa, talvez as fake news e a violência que propagam percam potência e o mundo se torne mais respirável para homens e mulheres de bem.
Ainda não aconteceu. Mas um dia pode vir a acontecer.
Nelson Merlin é jornalista aposentado.
6/4/2023