Bagunça e ameaça de retrocesso na educação

Quando os três maiores jornais do país defendem exatamente o mesmo ponto de vista, é bom prestar bastante atenção ao que eles estão dizendo. Porque é dificílimo, para não dizer impossível, que eles estejam errados.

A Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo publicaram editoriais fortes, duros, contundentes, contra as investidas de petistas e seus satélites contra a reforma do ensino médio aprovada – após longas discussões, é bom lembrar, acentuar – durante o governo Michel Temer.

A Folha afirma que “não está clara a razão para esse choque nas expectativas de escolas, alunos e professores” – para em seguida dizer: “A explicação plausível é a de que prevaleceu na decisão o afago ao esquerdismo inconsequente e ao corporativismo sindical”. Para depois concluir: “O Brasil já deveria ter superado o mau hábito de arriscar a formação de milhões de estudantes, tratando-os como cobaias, com base em ideologias de botequim.”

O centenário concorrente da Folha usa argumentos bem parecidos:

“Não se pode condenar quem suspeite que essa ofensiva contra a reforma do ensino médio seja uma vendeta pessoal de Lula e dos petistas contra o ex-presidente Michel Temer, cujo governo lançou a iniciativa”, diz o editorial do Estadão. “Como se sabe, o PT considera que o impeachment de Dilma Rousseff foi um “golpe” urdido por Temer, então vice-presidente, embora todo o processo tenha respeitado, ipsis litteris, o que vai na Constituição. Como consequência, os petistas entendem que tudo o que foi produzido sob a Presidência de Temer carece de legitimidade e deve ser derrubado. Assim foi com o teto de gastos; assim está sendo com a reforma trabalhista e com a Lei das Estatais; assim será, aparentemente, com a reforma do ensino médio.”

Para depois afirmar:

“O papel do governo, mais que nunca, é apoiar as escolas na implementação da reforma. Especialmente no caso das redes estaduais, que respondem por oito em cada dez alunos de ensino médio no País. O açodamento do governo só serve para gerar instabilidade. Não é assim que se promove um debate sério sobre educação.”

O Globo faz coro aos argumentos:

“Revogar a lei de 2017, como querem partidos de extrema esquerda, é um disparate. Os argumentos são todos falaciosos. Critica-se ter sido aprovada no governo Temer, como se apenas governos de esquerda fizessem boas leis. Ressalta-se que ela foi fruto de uma Medida Provisória (MP), querendo passar a ideia equivocada de ausência de um amplo debate. Mas a MP não apareceu do nada. Incorporou as principais ideias de um Projeto de Lei apresentado em 2013 pelos deputados federais Reginaldo Lopes (PT-MG) e Wilson Filho (Republicanos-PB), com base em debates travados na Comissão Especial para a Reformulação do Ensino Médio, criada em 2012.”

Argumentos semelhantes aos usados pelos três maiores jornais do país foram apresentados em artigo assinado por três importantes educadores, Rose Neubauer, Hubert Alquéres e Ghisleine Trigo – os dois primeiros são ex-secretários de Educação do Estado de S. Paulo e a tewrceira é vice-presidente do Conselho Estadual de Educação de São Paulo. No artigo, publicado nesta quarta-feira, 5/4, no Blog do Noblat e reproduzido aqui neste + de 50 Anos de Textos, eles afirmam:

“A ideia daqueles que desejam suspender a reforma do Ensino Médio não esconde o rancor ideológico de seus autores. O presidente Lula não deveria ceder às pressões ou desautorizar seu ministro da educação, Camilo Santana, que já se posicionou a favor do avanço da reforma com as correções de rumo que se fizerem necessárias. Lula deveria enfrentar as corporações e aqueles aliados radicais que defendem o fim do novo modelo.

Ceder significará um gravíssimo retrocesso que levará o país de volta ao modelo anterior: perverso, gerador de desigualdades e inteiramente defasado dos anseios e projetos dos jovens do século vinte e um.

Mais uma vez comete-se um crime contra a educação com a descontinuidade de políticas públicas. Uma vitória das patrulhas ideológicas; uma vitória do atraso.”

Aqui, a íntegra dos três editoriais.

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Alerta na educação

Editorial, Folha de S. Paulo, 5/4/2023

O compromisso do Estado brasileiro com a educação de crianças e adolescentes requer que as políticas aprovadas pelo Congresso Nacional sejam implementadas pelo Executivo com previsibilidade.

Quando se colocam gerações inteiras de jovens numa nova trilha curricular, instando as 27 unidades federativas a adaptarem as suas redes de escolas e professores, supõe-se que as regras não serão alteradas no meio do caminho.

Não é o que, se depender do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), vai ocorrer com a reforma aprovada em 2017 do ensino médio, etapa que tipicamente atende alunos de 15 a 17 anos. Entre outras intervenções ainda não oficializadas, o Planalto quer suspender a realização, em 2024, do Exame Nacional do Ensino Médio reformulado para amoldar-se ao novo programa.

Inauguraram o currículo quase 3 milhões de adolescentes que em 2022 se matricularam no primeiro ano do ensino médio, 85% deles nas redes públicas estaduais. Prestes a concluir metade da jornada sob a nova orientação, são agora avisados de que o Enem na conclusão do ciclo de três anos não se adaptará ao que, afinal, estão estudando.

Não está clara a razão para esse choque nas expectativas de escolas, alunos e professores. O ministro da Educação, Camilo Santana (PT), diz que congelar a implantação do novo ensino médio dará tempo para que um grupo de trabalho finalize a avaliação do programa e proponha alterações.

Faz pouco sentido anunciar o cancelamento da prova adaptada antes de a comissão chegar às conclusões. A explicação plausível é a de que prevaleceu na decisão o afago ao esquerdismo inconsequente e ao corporativismo sindical.

Ajustes na reforma tal como vem sendo praticada são sem dúvida necessários. Abriu-se além do que redes escolares conseguem oferecer com qualidade o leque de opções aos alunos, que agora podem escolher 40% da carga letiva de acordo com suas preferências pessoais.

Mas esse parece ser um problema mais de organização e preparo de alguns Estados do que um defeito na concepção da reforma a exigir impugnação federal. Facultar que jovens na transição para a vida adulta definam uma parte do currículo, num cardápio que inclui trilhas profissionalizantes, reflete as melhores práticas internacionais.

Corrobora essa impressão o fato de todos os secretários estaduais de Educação publicarem nota conjunta contrária à suspensão do Enem reformado. Espera-se que o governo federal reveja sua posição ou no mínimo a justifique melhor.

O Brasil já deveria ter superado o mau hábito de arriscar a formação de milhões de estudantes, tratando-os como cobaias, com base em ideologias de botequim.

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Bagunça na educação

Editorial, O Estado de S. Paulo, 6/4/2023

Uma confusão se instalou nas escolas do País desde a última segunda-feira, com milhões de alunos sem saber se o atual arranjo curricular decorrente da reforma do ensino médio será mantido ou abandonado. A onda de incerteza se espalhou após o ministro da Educação, Camilo Santana, anunciar a suspensão do cronograma de implementação da reforma, adiando, de imediato, a adaptação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), prevista para vigorar em 2024. O próximo passo, quem sabe, é cumprir a ameaça do presidente Lula da Silva, que avisou que a reforma do ensino médio “não vai ficar do jeito que está”.

Não se pode condenar quem suspeite que essa ofensiva contra a reforma do ensino médio seja uma vendeta pessoal de Lula e dos petistas contra o ex-presidente Michel Temer, cujo governo lançou a iniciativa. Como se sabe, o PT considera que o impeachment de Dilma Rousseff foi um “golpe” urdido por Temer, então vice-presidente, embora todo o processo tenha respeitado, ipsis litteris, o que vai na Constituição. Como consequência, os petistas entendem que tudo o que foi produzido sob a Presidência de Temer carece de legitimidade e deve ser derrubado. Assim foi com o teto de gastos; assim está sendo com a reforma trabalhista e com a Lei das Estatais; assim será, aparentemente, com a reforma do ensino médio.

Terra arrasada não é uma boa maneira de fazer política pública, ainda mais numa área tão sensível como a educação, que afeta a vida de crianças e adolescentes de modo muitas vezes irreversível. A reforma do ensino médio não se pretendia perfeita, mas era uma tentativa concreta de reverter um crescente desinteresse dos jovens pela escola, sobretudo porque o currículo e o método não correspondiam às suas expectativas e necessidades.

A mudança proposta pelo governo Temer, embora tenha sido encaminhada por meio do questionável instrumento da medida provisória, foi debatida no Congresso e convertida em lei – que aumenta a carga horária e a possibilidade de que os alunos escolham disciplinas eletivas agrupadas em itinerários formativos que correspondem a cerca de 40% da carga horária. Se havia ressalvas ao que ali estava sendo proposto, elas poderiam ter sido feitas ao longo do processo legislativo. Debates sobre políticas públicas são sempre necessários, mas é preciso implementar as mudanças aprovadas democraticamente. Se há lei, que se cumpra, sem prejuízo de ajustes e aprimoramentos posteriores.

Ademais, é bom lembrar que o caminho da implementação da reforma do ensino médio foi bastante acidentado. Não bastasse a pandemia de covid-19, que fechou escolas por muito tempo e depois submeteu os alunos a aulas remotas que lhes despertaram escasso interesse, a educação foi negligenciada de forma sistemática pelo governo de Jair Bolsonaro, mais interessado em censurar professores e em militarizar escolas do que em melhorar a qualidade curricular. Tudo isso, é claro, impede que se tenha um quadro claro, neste momento, sobre os méritos da reforma.

Revogá-la, contudo, seria um absurdo. Até a reforma, a educação ainda estava submetida à realidade do século passado, num modelo condenado por quase todos os especialistas como atrasado e insatisfatório. Os petistas, que hoje detonam a reforma, tiveram quase 15 anos de governo para mudar essa situação, mas nada fizeram. Como resultado, o ensino médio continuou incapaz de preparar os jovens brasileiros para os desafios do século 21 e para o exercício da cidadania. Não se sabe se a reforma proposta por Temer e agora sabotada pelos satélites lulopetistas é mesmo a melhor resposta para esses desafios, mas ninguém honesto é hoje capaz de dizer que ela fracassou, pois nem sequer está plenamente em vigor.

O papel do governo, mais que nunca, é apoiar as escolas na implementação da reforma. Especialmente no caso das redes estaduais, que respondem por oito em cada dez alunos de ensino médio no País. O açodamento do governo só serve para gerar instabilidade. Não é assim que se promove um debate sério sobre educação.

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Revogar reforma do ensino médio comprometeria futuro do Brasil

Editorial, O Globo, 6/4/2023

O ministro da Educação, Camilo Santana, assinou portaria determinando que, depois da conclusão de uma consulta pública prevista para acabar em junho, o cronograma de implementação do novo ensino médio será suspenso por 60 dias. Se for apenas um freio de arrumação necessário e urgente, será benéfico para o país. Caso se torne uma oportunidade para grupos radicais descarrilarem a reforma do ensino médio, o futuro do Brasil estará comprometido.

Revogar a lei de 2017, como querem partidos de extrema esquerda, é um disparate. Os argumentos são todos falaciosos. Critica-se ter sido aprovada no governo Temer, como se apenas governos de esquerda fizessem boas leis. Ressalta-se que ela foi fruto de uma Medida Provisória (MP), querendo passar a ideia equivocada de ausência de um amplo debate. Mas a MP não apareceu do nada. Incorporou as principais ideias de um Projeto de Lei apresentado em 2013 pelos deputados federais Reginaldo Lopes (PT-MG) e Wilson Filho (Republicanos-PB), com base em debates travados na Comissão Especial para a Reformulação do Ensino Médio, criada em 2012.

O desafio agora é como melhorar o que foi feito, não voltar atrás. Há, sem dúvida, pontos que precisam ser revistos. A lei aumentou a carga horária e dividiu o currículo em dois blocos. Um com disciplinas básicas, como português, física, biologia e matemática. O outro, batizado de itinerário formativo, com programas para aprofundar o conhecimento e a formação técnica e profissional. Exatamente como o ensino médio funciona nos países com os melhores resultados em educação.

Posta em prática, a reforma provou ter deficiências que necessitam de ajustes substanciais (alguns com anuência do Congresso). Um é acabar com o teto de 1.800 horas para as disciplinas básicas nos três anos. A dedicação a esses temas deve ser maior. Outro reparo é acomodar 20% do tempo escolar com educação à distância. O período da pandemia mostrou que o ensino on-line ampliou o fosso no desempenho de crianças pobres e ricas. Os itinerários formativos precisam ser, pelo menos num primeiro momento, menos flexíveis, para evitar criar cursos sem sentido.

O Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) criticou a portaria do MEC e defendeu o trabalho dos estados até aqui. Alguns avançaram, apesar dos problemas da lei. Mas, num país com gestões tão díspares, outros estados ficaram para trás. Em comum, todos necessitam de mais apoio do MEC, inexistente nos últimos quatro anos. Há ainda problemas estruturais a resolver.

Sabendo do apelo público do tema, representantes do Consed disseram que a portaria do MEC poderá inviabilizar a realização do Enem reformado em 2024. É um ponto que o ministério terá de esclarecer para tranquilizar os estudantes e suas famílias. Não é o único. Falta o MEC ser mais determinado na coordenação do debate. O que está em jogo não é apenas o Enem de 2024, mas os de 2025, 2026, 2027, 2028, 2029, 2030 etc.

6/4/2023

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