Este é um país que vai pra trás

Reestatização de refinaria no Ceará, aprovação do marco legal das usinas eólicas em alto-mar com “jabutis” que obrigam a contratação das super poluentes térmicas a carvão, condicionantes à liberdade de imprensa. Esses são apenas alguns exemplos de retrocessos recentes do Executivo, Legislativo e Judiciário, que se somam aos do setor privado, desde sempre e cada vez mais dependente de incentivos, regalias e privilégios. Ainda que existam avanços aqui e acolá, a exemplo da queda do desmatamento na Amazônia e da reforma tributária, que só será plena em 2032, o Brasil, definitivamente, anda para trás.

No governo Lula, a marcha à ré vem embrulhada à visão retrógrada do Estado senhor de tudo e todos, único ente capaz de promover o desenvolvimento, e ao costume nocivo de fazer política com o bem público.

Nessa linha, encaixam-se os retrovisores da Petrobras, que voltou a admitir formalmente a ingerência do governo para repetir os insucessos do passado recente. É o que se vê na rescisão da venda da Lubrificantes e Derivados de Petróleo do Nordeste (Lubnor) ao grupo Grepar, que já pagou 10% dos US$ 37 milhões fixados pela Petrobras para transferir a companhia, e na retomada das obras da Abreu e Lima, em Pernambuco. Parceirizada com a Venezuela de Nicolás Maduro, que nunca colocou um tostão no empreendimento, a refinaria inconclusa fez o Brasil amargar um prejuízo de US$ 14 milhões. Fala-se ainda em retomar incentivos à indústria naval brasileira e a empreendimentos como o das sondas da Sete Brasil, cujo prejuízo bate na casa de R$ 1 bilhão. Só falta reeditar o petrolão.

Ninguém espera que Lula promova privatizações ou modernização da máquina pública. O problema é a insistência no erro. Beira a insanidade dar vida a estatais mortas como a Ceitec (Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada), criada em 2010, que consumiu cerca de R$ 40 milhões sem competitividade para avançar um único milímetro na produção de circuitos integrados, vulgo chips, ou à TAV Brasil, inventada pela então presidente Dilma Rousseff para a construção do trem-bala SP-Rio, que nunca saiu do papel. Não menos insanas são as tentativas de reverter a legislação trabalhista aprovada em 2017 e o fim da exigência da contribuição sindical. Na lista cabe ainda o sustento a 38 ministérios – talvez 39 se vier o da Segurança Pública -, exagero que escancara a cara do Lula 3.

Mas a volta para trás não se limita ao Executivo. O Congresso tem se empenhado com afinco em fazer valer a agenda do passado.

Na última semana de novembro, além de desfigurar o marco da energia eólica marítima, enfiando a contrapartida de carvão mineral, o maior poluente do planeta, suas excelências aprovaram a liberação de agrotóxicos proibidos na maior parte do mundo. Na velocidade da luz modificaram a lei das licitações, piorando – e muito – a transparência das concorrências municipais e facilitando a formação de cartéis. Na madrugada em que a proposta foi apreciada, vários deputados confessaram que não sabiam o que estavam votando.

No dia a dia, o Parlamento rende-se aos lobbies privados que querem regalias, um tanto delas obtidas na reforma tributária, com nacos para os setores econômicos mais organizados que vão impactar nas alíquotas finais do imposto sobre consumo. Mimos que vão custar caro aos brasileiros, especialmente aos mais pobres.

Não bastasse, nesta semana devem ser retomadas as discussões para espremer ainda mais o Executivo, com a criação de um calendário obrigatório para pagamento de emendas parlamentares, e para fixar os valores do fundo eleitoral, que pode bater em imorais R$ 5 bilhões. Vale dizer que, aqui sim, seria melhor recuar, algo inimaginável diante do apetite dos parlamentares. Só falta voltar o financiamento privado das eleições, desejo secreto – e aberto – de muitos.

Nem a Suprema Corte, tida como a defensora-mor da democracia, escapa do retrocesso.

Além de ir e vir, vir e ir em diversas decisões – cumprimento de pena após condenação na segunda instância, revisão da vida toda do INSS, mudanças de foro de julgamentos quando politicamente é de interesse dos magistrados, só para citar alguns exemplos -, os supra-togados decidiram voltar aos tempos da ditadura e impor “responsabilidade” às empresas de comunicação por eventuais falsidades de entrevistados. A diferença com os anos de chumbo é o entendimento “firme” contra a censura prévia. Mas a névoa criada em cima da decisão, pela qual a interpretação do juízo ficou em aberto, deixa frestas perigosas. Nesse ritmo, publicações de receitas culinárias ou de poesia de Camões no lugar de notícias censuradas, como faziam o antigo Jornal da Tarde e o Estadão, podem voltar à voga.

Definitivamente, este é um país que vai pra trás, em acelerada marcha à ré.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 3/12/2023.

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