Ao fim de uma semana em que quase foi eletrocutado com um choque de realidade, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reinventou a roda ao pregar o princípio basilar da política: a necessidade de “conversar com quem não gosta da gente, que não votou na gente”. O dito, óbvio até para leigos, destoa na boca de alguém tão experiente, tido e havido como um craque nessa arte. Em sua defesa, pode se dizer que a frase carrega um tom de mea-culpa para um Lula errático que tem metido os pés pelas mãos e hoje não dialoga com ninguém.
Desde que saiu da prisão, Lula parece confiar apenas nos que o acarinharam durante o período de encarceramento. Fora desse núcleo, pipocam críticas sobre o distanciamento do presidente, incluindo no rol de reclamantes parlamentares de esquerda, até do PT, que já gozaram de prestígio em mandatos anteriores. Os políticos de outras matizes, que o apoiaram para evitar as trevas do bolsonarismo, só tiveram serventia no palanque quando a tal frente ampla era imprescindível para a vitória.
De lá para cá, Lula radicalizou o discurso e o comportamento, afastando-se, deliberadamente, dos centristas que o apoiaram.
Mais preocupado com o Prêmio Nobel do que com o dia a dia do país, exacerbou-se na esquisita proposta de paz entre Rússia e Ucrânia, com regalias ao invasor. E ultrapassou todos os limites aceitáveis ao qualificar o ditador Nicolás Maduro como vítima de “narrativas”, recebendo-o, com pompa e circunstância, como um legítimo democrata. Até parte da esquerda arrepiou.
Da negativa a priori a qualquer tipo de privatização às tentativas de voltar atrás no marco do saneamento básico; da insistência em minar a autonomia do Banco Central à intervenção na administração da Petrobras, além das mesuras a líderes autocratas, Lula foi dinamitando caminhos que, na campanha, tinham seduzido parcela significativa do chamado centro democrático. Preferiu jogar fora as chances de somar apoio.
Agora, ao pregar o diálogo, Lula reconheceu sua posição minoritária na Câmara, casa na qual a esquerda tem “no máximo 136 votos”, muito aquém dos 257 exigidos para aprovar um simples projeto de lei. Uma contabilidade estranha para quem não foi eleito apenas com os votos de esquerda, mas com gente do MDB, PSD, PSDB, Cidadania, União Brasil…
Achou por bem empurrar os políticos independentes e muitos dos que frequentaram seu palanque para o colo de Arthur Lira – presidente da Câmara com quem tem sido travada a guerra do quem pode mais. Parece querer que os não-alinhados de corpo e alma sejam taxados como Centrão, merecedores de todos os adjetivos pejorativos que esse grupo carrega.
Com isso, demoniza desde já a turma de centro que pode incomodá-lo no futuro próximo. E perpetua a polarização.
Quanto à governabilidade, é difícil crer que Lula a imaginasse mais simples ou mais barata do que tem sido. Lira, que tudo teve nos tempos de Bolsonaro, já havia posto as pedras no tabuleiro antes da posse, quando fixou o preço de aprovação da PEC da Transição. Não havia qualquer previsão de diminuição do custo. Ao contrário. Beira a ingenuidade absoluta achar que se desconhecia o valor de face. Mais: que vai parar por aqui.
Mas nada é o que parece. Nem Lira é algoz, nem Lula é vítima. Nessa briga não há bonzinho e bandido, lobo e cordeiro. Ambos só enxergam vantagens imediatas. Mais controle, mais dinheiro, mais poder. É nesse embalo que se negociam titularidades em ministérios, primeiro, segundo, terceiro escalões, recursos para obras que começam e não terminam nunca, agrotóxicos que matam, autorizações para lavras e ocupação de terras indígenas… A nenhum deles interessa a racionalidade, muito menos o bem público.
O país? Ele que se dane.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 4/6/2026.
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