O Brasil é um país de muitas curiosidades. Não digo que os outros não sejam. Mas aqui curiosidades proliferam como cupinzeiros no meio do campo. Já notaram como crescem aqueles cones maciços de terra erigidos por tão minúsculas criaturas?
Uma das últimas me chamou a atenção. O deputado federal André Janones, de um partido pomposamente chamado Avante, foi acusado por dois antigos colaboradores de pedir dinheiro deles e de outros colegas para pagar gastos de uma antiga campanha eleitoral a prefeito perdida em 2016. O custo foi grande, mas ele só pediu água em 2019.
Os dois assessores não gostaram e, agora, quatro ou cinco anos depois, decidiram entrar na PGR com uma denúncia de peculato contra o parlamentar, acusando-o da prática de rachadinha — palavrinha amorosa para a atividade de afanar dinheiro público.
Não se sabe se Janones fez o que habitualmente fazem os rachadeiros: eles “contratam” terceiras pessoas, fora de seu gabinete, por isso chamadas “fantasmas”, para receberem salários das gordas verbas acessórias do parlamentar. Gentilmente, devolvem 90/95 por cento ou mais aos bolsos do intrépido — que paga, portanto, 5/10 por cento pelo “serviço”, ou menos, dependendo da cara do freguês.
A PGR acolheu a denúncia, pediu ao STF para investigar e o ministro Luiz Fux, sorteado para tocar o caso e dar o sim ou não, autorizou a investigação.
Desculpem me alongar, mas tem mais, e agora é que vêm as curiosidades, propriamente.
Quem foi que levou a denúncia para a PGR? Não foram os dois indigitados. Foi um tropel de 46 deputados federais bolsonaristas subitamente indignados, espalhados por seis partidos: o PP, o PL, o MDB, o Novo, o União Brasil e o Republicanos.
Se Janones fosse um joão ninguém, aposto uma rachadinha que ninguém ia dar bola. Mas Janones está entalado na goela dos bolsonaristas por ser um ex deles, e ex, como se sabe, é para toda a vida.
E Janones escalou: o vira-casaca abraçou de corpo e alma a contra-propaganda durante a campanha presidencial do ano passado. Tornou-se, na deep web mais profunda, um ativo militante da candidatura do arqui-inimigo vermelho e ninefingers diabólico Luiz Inácio Lula da Silva, a raiz do mal que nos aflige e condena aos infernos. E que, maldito seja, faz um ano de governo e ainda não quebrou o Brasil…
Os bolsonaristas são crianças grandes e choronas. Como toda criança, fingem que o patrão et filhos são como aqueles santinhos de pau oco que vovó exibia nas prateleiras junto à cristaleira e aos antepassados, para enfeite da sala e curiosidade das visitantes.
A famiglia envolvida, por sua vez, não faz nem tchuns e os rebentos 01 e 02 se escondem atrás ou embaixo dos panos enquanto os companheiros de trincheira correm por cima atirando. Eles, como o pai, figuram na linha de frente dos investigados pelo mesmo motivo do agora desafeto parlamentar do Avante!
A história vai render apetitosos capítulos, seja lá o que o diabo quiser. Se provar que só fez pedido de um dinheirinho aqui outro ali, Janones não fez rachadinha. Só abusou do bolso e da paciência dos assessores, que por tantos anos engoliram a mendicância do chefe. Se, ao contrário, tomou deles grana com regularidade e afinco mensal, então pode ter inventado uma nova fórmula para o malfeito: a da rachadinha reversa e voluntária em troca do emprego. Resumindo, se não pagar, a porta da rua é serventia da casa. Seria, portanto, crime de coação e ameaça por achaque de salário. Algo assim.
Mas não seria peculato. Este ocorre quando há desvio de verba ou bem público. Como o patrão-mor fez com as jóias presenteadas pelas coroas saudita e catarita, que desviou para suas arcas e foi pego, recentemente, com a boca na botija.
Outroramente, obrou o mesmo estratagema com assessores fantasmas de carne e osso, integrantes da parentada de seus dois primeiros casamentos, quando era deputado federal em sucessivos mandatos pelo Rio de Janeiro — onde é adulador oficial das milícias, para dizer o mínimo.
O filho 01 andou fazendo as mesmas estrepolias em proveito próprio com ajuda do pau pra toda obra Fabrício Queiroz, ex-PM e ex-empregado do patrão e que agora se queixa, novamente, de ter sido escanteado pela famiglia. Para despertá-los da pasmaceira, fala pelos cantos que sabe de coisas que até Deus duvida.
Os dois entendem de peculato pra caramba. Nada é novidade, mas a curiosidade me mata.
Aguardemos.
Nelson Merlin é jornalista aposentado, curioso e paciente.
7/12/2023