Basta de Bolsonaro

Dia sim outro também o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cita Jair Bolsonaro. Nos discursos, nas entrevistas, em conversas informais. Até na Casa Branca, no encontro com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Uma fixação que direciona os holofotes para o ex que não mais produz luz própria e, ao mesmo tempo, ofusca o brilho das ações do seu próprio governo. Uma equação simples e perversa: o governo vai bem, mas Lula joga contra si – de propósito ou não.

Nos primeiros 40 dias, Lula colecionou feitos importantes. Só as ações emergenciais na terra Ianomâmi – com foco imediato na saúde dos indígenas e na suspensão do garimpo, além de planos de médio e longo prazos para assegurar a vida na reserva – já seriam suficientes para demonstrar que o país virou a página.

Somam-se a elas a velocidade na edição de normas para o controle de armas de fogo nas mãos de civis, a retomada firme das campanhas de vacinação, com fixação de calendário para a aplicação dos imunizantes e, louve-se, a obrigação da carteirinha de vacinação em dia para o recebimento do Bolsa Família. Há outros exemplos nas áreas de educação e de infraestrutura, com levantamento de obras paradas e recomeço do que é mais urgente, como conclusão de escolas e de moradias do Minhas Casa, Minha Vida.

Não é pouco.

Até o que não depende do governo tem conspirado a favor, como a queda do preço do óleo diesel na bomba e a inflação de janeiro, alta, mas inferior à de dezembro.

Lula, portanto, tem o que mostrar. Mas prefere criticar a autonomia do Banco Central, aprovada pelo Congresso durante o mandato do ex, o presidente do Banco Central indicado pelo ex, o esforço do ex para colocar o Brasil na “marginalidade” do mundo. Os absurdos do ex, o que o ex fez e deixou de fazer. Reforça a herança maldita que recebeu – algo que nem precisava de se dar ao trabalho de destacar -, e, safo, raciocina que o embate com Bolsonaro lhe é favorável agora e no futuro. Uma pró-atividade para a reeleição que Lula prometeu que não disputaria e já correu para desprometer.

Mesmo com toda experiência acumulada, Lula pode estar errando na dose. Diferentemente do embate que teve com o morno PSDB, hoje Lula não tem adversários mas inimigos cruéis, sem quaisquer escrúpulos para atormentar seu governo, sua família e seus apoiadores. Gente que, ao contrário da bela frase dita por Lula ao conversar com Biden – “não quero viver num mundo em que os humanos se transformam em algoritmos” -, prefere e usa os algoritmos para desgraçar os humanos.

Assim, sempre que Lula critica Bolsonaro, a turma do ex põe a rede em ação, usando e abusando dos bem treinados algoritmos. Por meio deles, espancam Lula e apresentam o ex  altivo – à la Mussolini -, com seus “grandes feitos”, foto e pose de salvador da pátria e da liberdade. O movimento se repete várias vezes ao dia.

Muitos garantem que a insistência de Lula no digladio com o ex é estratégica. Alimenta o nós versus eles, os bons versus os maus, fechando espaços para qualquer outra força. Pode até ser. Mas não há um só indicativo a demonstrar as vantagens em manter o fôlego de um adversário que obteve 49,1% dos votos na disputa direta com o vencedor. Muito menos o ganho de rechaçar os que votaram no derrotado.

Pior. Ao fustigar Bolsonaro, Lula reduz as chances de acerto e de publicidade das ações de seu governo, revelando uma estranha escolha: manter-se no palanque ao custo de dar palanque ao ex. Aumenta a audiência de Bolsonaro quando o melhor seria limitá-lo às notícias que lhe dizem respeito: processos civis, eleitorais e criminais, que não são poucos.

O país não aguenta mais. Está cansado, exausto de Bolsonaro. E diante da beligerância, picuinhas e birras, corre o risco de, rapidamente, também se cansar de Lula.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 12/2/2023. 

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