A alteração nas alíquotas do Imposto de Renda, prometida por Lula, com aumento para os mais ricos e diminuição ou isenção para os mais pobres, somente poderá entrar em vigor em 2024.
O Imposto de Renda é um dos tributos que está sujeito ao Princípio da Anterioridade Tributária, constante do Art. 150 da Constituição. O prazo limite para alterações é 31 de dezembro do ano anterior.
O Princípio da Anterioridade foi adotado para evitar que a criação de novos tributos, ou o aumento das alíquotas daqueles já existentes, sejam feitos de forma repentina, inadvertida, impactando severamente o planejamento financeiro dos contribuintes.
Contudo, apesar de não poder mexer nas alíquotas para cima, o governo poderá, se quiser, isentar do imposto as faixas de renda mais baixas, hoje injustamente tributadas. Para isto, bastaria apenas reajustar a tabela do IR pelo índice inflacionário acumulado, algo que não está sujeito ao Princípio da Anterioridade.
A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco) e o Sindifisco cobram todo ano dos governos a correção da tabela.
O reajuste deveria ocorrer sempre pelo índice integral da inflação do ano anterior. Não reajustar a tabela do IR, ou adotar um reajuste abaixo da inflação, representa, na prática, um aumento de tributação, coisa pouco percebida por muita gente.
Se o imposto incidia sobre rendimentos de 3 ou 5 mil reais em 2016, no início do governo Temer, não seria correto continuar vigente a mesma tabela em 2023, após a inflação ter reduzido o poder aquisitivo desses valores. É uma distorção que acaba fazendo, com o decorrer do tempo, trabalhadores de renda mais baixa pagarem imposto sobre seus salários, além de aumentar também a tributação das faixas de renda mais altas.
Por trás do discurso liberal de redução de impostos, Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, em busca de maior arrecadação, imitaram o truque do governo Temer: congelaram malandramente a tabela durante todos os 4 anos do governo. A acumulação de índices inflacionários sobre a tabela por tantos anos seguidos, deixou uma bomba armada para 2023, juntamente com um rombo orçamentário estimado em 400 bilhões.
A tabela está hoje tão defasada, que precisaria ser reajustada em 134,53%, para isentar contribuintes que ganham até 5 mil reais. O índice inclui não só o período sem qualquer reajuste nos governos Temer e Bolsonaro, como também os anos em que a tabela foi reajustada abaixo do índice inflacionário, coisa que começou a ocorrer a partir de 1996.
O último governo a permitir alguma correção foi o de Dilma Rousseff. É impossível agora reajustar integralmente um índice de inflação acumulada tão alto, após 6 anos de congelamento irresponsável, sem causar um tremendo impacto no orçamento. A perda de arrecadação seria de aproximadamente de 184 bilhões, segundo cálculo da Unafisco.
A bomba caiu no colo de Lula. Vai ser muito cobrado para corrigir a defasagem. Nos últimos 4 anos, a correção também deixou de ser feita como parte das artimanhas cometidas pelo ministro Paulo Guedes para esconder o déficit fiscal.
Como perder justamente agora 184 bilhões de arrecadação, num cenário com tantas despesas previstas para consertar tudo que o governo Bolsonaro desmontou, ou deixou de pagar, para fabricar um superávit fiscal na marra?
Entre vários outros cortes, Bolsonaro deixou sem dinheiro a merenda escolar, a Farmácia Popular, os hospitais universitários, a residência médica, e até a Polícia Rodoviária Federal , que ficou totalmente sem verba para manutenção de seus veículos. Também só reservou recursos no orçamento para pagar 400 dos 600 reais reais que prometeu para o Auxílio Brasil em 2023. Sem falar no calote aplicado nos precatórios, outra despesa obrigatória.
Adiar para o ano seguinte despesas obrigatórias é o que se chama no Brasil de “pedaladas fiscais”. Foram praticadas tranquilamente por Bolsonaro, sem maiores consequências para ele.
O ex-presidente e o ministro Paulo Guedes simplesmente empurraram o déficit fiscal para frente, para poderem anunciar um superávit de mentirinha no fim do governo.
A suspensão ou adiamento do pagamento de despesas obrigatórias funcionou como se um cidadão deixasse de pagar, durante parte do ano, as contas de energia, água, aluguel e condomínio, para poder alegar que sobrou dinheiro em dezembro. Só que, no caso de Bolsonaro, não é mais ele quem deverá pagar as contas acumuladas.
Além dos cortes insustentáveis, adiamentos e calotes, o congelamento da tabela de IR, com o consequente aumento da arrecadação, também teve o seu papel na fabricação do superávit bolsonarista.
O novo governo tem fugido do assunto, até argumentando com o Princípio da Anterioridade. Mas sabe muito bem que ele não é aplicável no caso de reajustes inflacionários da tabela de IR, considerando que Lula costumava reajustá-la nos seus governos anteriores.
Com um orçamento já apertadíssimo, para corrigir a tabela sem sofrer grande perda de arrecadação em 2023, o governo teria que antes aumentar as alíquotas para as faixas de renda mais altas, coisa que só poderá entrar em vigor no ano que vem, pelo Princípio da Anterioridade.
Pressionado, provavelmente Lula tentará, no máximo, corrigir a tabela pela inflação de 2022, que foi de 5,79%, o que não mudaria muito a situação.
Janeiro de 2023