Nem fácil, nem barata. A reforma tributária aprovada pela Câmara dos Deputados na semana passada não é a dos sonhos de ninguém, e sim a possível. Teve idas e vindas, ameaças, brigas e caras feias, perdas e ganhos, e até concessões absurdas, como a dada às organizações religiosas. Mas fora o ex Jair Bolsonaro, que se auto-derrotou mais uma vez, o país venceu. A política venceu.
Foram dias de intensas negociações, com atuação estrelada dos principais protagonistas do enredo.
Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, mereceu todas as loas que recebeu pela condução do processo, ainda que com suas tratoradas regimentais de costume. O relator da matéria, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), conseguiu juntar o que parecia ser um quebra-cabeças ora com peças faltantes ora com peças demais. Governadores, tendo à frente o de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ex-ministro de Bolsonaro, e o do Rio Grande do Sul, o tucano Eduardo Leite, agiram com firmeza para equilibrar pratos prestes a se espatifar no chão. E o governo, por meio do ministro da Fazenda Fernando Haddad, que a cada dia se impõe mais como um negociador de primeira, e do próprio presidente Lula, soube não roubar a festa. Conferiu mérito ao Parlamento, a Lira e aos líderes, com direito a confraternização no Palácio do Alvorada.
Fez-se política como há tempos não se fazia.
Não faltarão críticas – várias delas procedentes – de que muitas das negociações envolveram toma lá dá cá, promessas de cargos, ocupação de ministérios e empresas estatais, dinheiro a rodo em emendas. Diga-se, emendas compulsórias, ou seja, de pagamento obrigatório, que cedo ou tarde teriam mesmo de ser liberadas pelo Executivo.
Goste-se ou não, estabelecer o calendário para pagamento de emendas é um instrumento legítimo utilizado por governos para fazer andar pautas de seu interesse. A partilha do poder também compõe a cesta para obtenção de maioria parlamentar, em especial quando se tem uma representação política multifacetada. É do jogo.
A questão é a composição da cesta, que ingredientes podem ser trocados e o que fazer para evitar maçãs podres. Lula foi taxativo ao dizer que o Ministério da Saúde era inegociável. Ponto para ele. Certamente também não tem disposição de mexer no Desenvolvimento Social, responsável pelo Bolsa Família, o mais recente desejo do Centrão. A reivindicação nada tem de ilegítima. A regra é simples: pedem-se mundos e fundos; se não der certo, aceitam-se até centavos. Ao final, as mãos nunca ficam de todo vazias.
Reforma tributária passava longe de ser uma pauta de vida ou morte para Lula ou para o PT. Nunca foi, embora economistas do partido, com destaque para Bernard Appy, tenham desenhado parte da proposta que a Câmara aprovou. As prioridades eram o voto de qualidade no Carf, decidido pró-governo na sexta-feira, e o arcabouço fiscal, que só será reapreciado pela Câmara em agosto.
Havia até algumas áreas de dissenso no PT quanto às mexidas no sistema de tributação – uma caixa de marimbondos em que muitos preferiam não meter as mãos. Mas a oposição cega de Bolsonaro, que desejava impor sua liderança depois de se tornar inelegível, uniu não só o PT, mas vários parlamentares do Centrão que até o ano passado se desmanchavam pelo capitão.
Tratando o tema como “reforma de Lula”, Bolsonaro mirou o petista e acertou o aliado Lira, que se dedicou de corpo e alma à aprovação do que será a marca histórica de sua gestão frente à Câmara. Bombardeou ainda o afilhado Tarcísio, jogado às feras radicais do bolsonarismo. Ainda que panos quentes tenham sido colocados e gargalhadas tenham sido ouvidas no encontro dos dois na sexta-feira, nada será como antes. Tarcísio apoiou a reforma, posou ao lado de Haddad “em nome do bem do país”, e venceu. Ponto para ele. E Bolsonaro foi derrotado mais uma vez: 20 deputados do seu PL contrariaram abertamente a ordem do chefe. Outros já ensaiam debandar.
Bolsonaro perdeu porque trata a política com desdém. E desta vez a política venceu.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 9/7/2023.