A cruz e a caldeirinha

Nos tempos antigos, e bota antigo nisso, a família do moribundo colocava sobre sua testa um crucifixo e aos seus pés um pote de barro com água benta. O padre era chamado a dar a extrema unção e a família ficava então aguardando e orando pelo desenlace. 

Isso poderia durar horas, dias ou meses, conforme a disposição do moribundo e a vontade do Senhor. Há relatos na literatura sobre moribundos que se cansaram de esperar e voltaram à vida. Outros que de tanto esperar acabaram morrendo mesmo.      

Disso tudo vieram expressões populares como estar “entre a cruz e a caldeirinha”, “morrer de tanto esperar”, “estar numa sinuca de bico” e outras do gênero. Tudo significando que o coitado está num mato sem cachorro. 

É o que dizem estar a acontecer com um ministro do TSE ao qual se atribui uma dúvida atroz. Cabe a ele votar hoje ou amanhã ou na semana que vem ou no prazo máximo de 90 dias, não se sabe direito, pois tudo é muito misterioso, inclusive seu voto, se o Inominável será inelegível nas eleições que ocorrerem nos próximos oito anos. 

O ministro Kassio Com K está, de fato, mas não de direito, entre a cruz e a caldeirinha. Afinal, o moribundo é outro e não ele. E é voz geral que o moribundo de direito ou de fato é um farsante e não está a morrer — longe disso. Mas iria para uma geladeira do necrotério político por algumas temporadas: a do ano que vem, para prefeito e vereador, outra dois anos depois, para presidente da República, senador, deputado federal e deputado estadual, e depois dessas duas um repeteco na mesma ordem mencionada, até se completarem os oito anos fatais. 

E o que é que o K do Kassio tem com isso? Tem que ele se meteu porque quis numa encrenca sem tamanho ao aceitar alegremente a indicação do Inominável para uma vaga no STF. Se tivesse ficado quietinho no seu canto de advogado de celebridades políticas, não estaria, agora, entre a cruz e a caldeirinha. 

A situação é singular. Seu voto não terá a menor importância no cômputo geral, eis que o placar antes do jogo é de 6 x 0 pela inelegibilidade, faltando somente um voto, justamente o dele, para dar um 7 x 0 redondinho. 

Acontece que se ele votar sim pela inelegibilidade, as hostes do Inominável Abominável vão pegar ele na esquina. O indigitado ministro estará condenado a nunca mais andar de avião, a nunca mais entrar num hotel, a nunca mais pedir um hambúrguer na lanchonete ou comprar um pão na padaria. As hostes estarão sempre a sua espreita, como as sombras da noite. 

Se, ao contrário, ele votar não, puxando o placar para 6 x 1, melhor entregar o chapéu e a toga na chapelaria do STF e nunca mais dar as caras por lá. 

Pobre ministro, tão sorridente estava quando tomou posse para, segundo dizem, votar sempre a favor das teses apaixonadas de seu indicador, não importa quão esdrúxulas fossem. 

No caso, a tese é que ele não fez nada demais ao chamar os embaixadores das nações amigas aos recintos do Alvorada para desancar o TSE, as urnas eletrônicas, os ministros do STF e outros bichos. Os diplomatas saíram espantados. Ele agora diz que fez tudo antes de ser aberto o calendário eleitoral, quando tudo era possível. 

Mas o calendário foi aberto pelo TSE no dia 2 de agosto, enquanto o convescote do Inominável foi no dia 18. E agora? Ora, dane-se o calendário! 

E o Kassio que vote! 

Nelson Merlin é jornalista aposentado mas nem tanto. 

22/6/2023

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