Sou filha, sou mãe e fui abusada por velhos babões que se sentem machos quando chegam perto de uma menina ou menino “bonitinho” e se acham no direito de “pintar um clima”. Sempre que falo sobre o assunto, recebo milhares de ataques, alguns extremamente agressivos.
Sou filho, sou pai e fiquei muito impactado com os depoimentos da Xuxa. Como ser humano, senti a urgência de falarmos sobre o assunto. Fiz um post no Linkedin que em poucas horas atingiu mais de 200 mil visualizações. Recebi centenas de ataques e a plataforma o retirou do ar.
Juntos, Xuxa e João, uma artista e um executivo do mercado financeiro, resolvemos expor esse assunto em um artigo, dar voz às milhares de crianças e adolescentes que sofrem caladas. Alertar principalmente os homens, mas também as mulheres que votam, apoiam e se calam. Normalizar isso é inaceitável, é hora de mudar!
“Que garota linda, nem parece que tem 14 anos; eu daria 18 para ela, fácil.” “Usando essa roupinha, certeza que quer seduzir alguém.” “Pintou um clima…”
Vivemos em uma sociedade que culpa a vítima e passa pano para pedófilo. Uma sociedade em que os amigos do assediador sorriem ao ouvir o criminoso contar seus crimes como se fossem conquistas.
O Brasil ocupa o segundo lugar no ranking mundial de exploração sexual infantojuvenil —perdemos só para a Tailândia. Aproximadamente 500 mil crianças são abusadas por ano no nosso país; cerca de 75% delas são meninas. Estima-se que apenas 10% dos casos sejam notificados às autoridades competentes.
Você acha isso normal? A pessoa que sofre o assédio fica com essa marca para o resto da vida. Em alguns casos, o desfecho é bem pior —como a adolescente Paola Guzmán, que se suicidou após engravidar em consequência de um abuso sexual.
Circularam vídeos com declarações de Jair Bolsonaro (PL) de cunho pedófilo. Ele conta orgulhoso, inclusive, que “pintou um clima” entre ele, um ser asqueroso, e meninas de 14 anos, insinuando que as adolescentes estariam se prostituindo.
Veja o tamanho do absurdo! O presidente da República estava andando de moto e observou uma situação que ele acreditava ser de exploração sexual infantil. Em vez denunciar, convidou-se para ir à casa das meninas, pois “pintou um clima”. Você acha isso aceitável?
A insanidade do inescrupuloso é tão grande que ele não percebeu que as meninas faziam parte de um projeto social em que estavam aprendendo técnicas de corte de cabelo e design de sobrancelhas. E o que ocorreu nos dias que subsequentes? Alguma manifestação nas ruas? Nada.
Arthur do Val (União-SP) merecidamente perdeu seu cargo de deputado estadual, pois gravou um áudio dizendo que as ucranianas “são fáceis porque são pobres”. Já o presidente da República ganhou a defesa dos seus fãs, alguns deles jogadores de futebol acusados e condenados por assédio, estupro e até por morte. Por outro lado, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu em 2009 um prêmio internacional pelo combate à pedofilia em Genebra.
Já dizia o Prêmio Nobel da Paz Desmond Tutu: se você fica neutro em uma situação de injustiça, você escolhe o lado do opressor. Nesse caso, o do pedófilo.
“Ele não quis dizer isso.” Mas ele disse. “Ele não quis fazer.” Mas ele fez. “Ele não quis matar.” Mas ele matou.
Você, homem, qual a sua posição? Você se enxerga nesse comportamento de Bolsonaro? Você, mulher, vai compactuar com isso? Com que cara vai olhar para as suas filhas e filhos quando crescerem e descobrirem que votou em alguém com tal conduta? Por que deixará o país nas mãos de alguém com quem você jamais deixaria a sua filha? Nossa sociedade está doente. Precisamos curá-la.
Se você se calar, o crime vai se banalizar. Até quando deixaremos nossas crianças na mão desses monstros? Nem nosso país nem nossas crianças merecem o seu silêncio e seu voto a favor dele. Tire sua imunidade: vote contra ele.
(*) Xuxa Meneghel, apresentadora, empresária e ativista. João Paulo Pacifico, CEO do Grupo Gaia e ativista.
O artigo foi publicado na Folha de S. Paulo de 25/10/2022. Tomei a liberdade de reproduzir aqui devido à sua imensa importância, e para que os eventuais leitores não assinantes do jornal possam ter acesso. (S.V.)
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