Um Alckmin só não faz verão

A indicação de Geraldo Alckmin, ex-governador tucano e socialista recém convertido, para vice de Lula pode levar a uma leitura enganosa, como se o presidenciável petista estivesse em marcha batida em direção ao centro.

Uma virada de tal dimensão é algo bem mais complexo do que a simples cooptação do seu antigo desafeto, que em eleições passadas falava cobras e lagartos do Partido dos Trabalhadores e do seu líder máximo.

Até aqui tudo bem, embora a aliança entre os dois seja a própria negação de toda a trajetória política de Alckmin.

O ponto principal é que o casamento Lula/Alckmin não representa a incorporação orgânica de forças e partidos políticos do centro. O palanque de Lula continua sendo constituído por legendas de esquerda – PT, PSB, PV, PC do B, PSOL e Rede -, uma composição insuficiente para derrotar Jair Bolsonaro em um segundo turno. Como as pesquisas começam a evidenciar, Lula pode ter batido no teto em termos de intenção de voto, enquanto a curva do seu principal adversário é ascendente.

A ampliação do seu arco de alianças passou a ser uma questão de vida ou morte, como destacou o senador Randolfe Rodrigues, membro da coordenação da campanha do candidato petista. Para vencer, Lula vai precisar dos votos da direita democrática, atraindo seu eleitorado. Sem um discurso conectado com o perfil moderado desses eleitores, a composição com Alckmin terá peso pena.

Até agora, o eleitorado que no passado votou sucessivamente no ex-governador de São Paulo não acompanhou seu movimento e pode até se sentir traído, cristalizando, assim, sua rejeição ao PT e seus candidatos.

A inflexão para o centro se tornou mais premente diante da mudança do quadro eleitoral, desde que Lula e Alckmin iniciaram seu namoro. Ali, no início do ano, Bolsonaro parecia derreter, com sua intenção de votos se aproximando da casa de 20%. A expectativa de poder era Lula. Dava-se como favas contadas que quando chegasse abril e se encerrasse a janela partidária haveria uma revoada para o seu palanque, com o Centrão abandonando Bolsonaro.

Não foi o que aconteceu. O presidente iniciou sua recuperação nas pesquisas, o PL de Valdemar Costa Neto tornou-se o principal partido no Congresso Nacional e obteve crescimento exponencial em várias assembleias legislativas. Em vez da desagregar, o Centrão deu organicidade ao bolsonarismo.

Houve uma mudança profunda na sua relação com o presidente. Como observou o cientista político Paulo Fábio Dantas Neto, o Centrão não apenas adentrou no governo, ele é o próprio governo. E estabeleceu uma nova relação entre o Parlamento e o Palácio do Planalto, com o Congresso “usurpando” funções do Executivo, por meio do orçamento secreto.

Quem esperava um Lula na ponta dos cascos surpreendeu-se com um Lula de salto alto, adotando um discurso voltado para os seus e de costas para o eleitorado do centro. Nas suas inserções televisivas que foram ao ar na virada do mês adotou um tom passadista, tipo “nunca antes neste país” e, para usar uma definição do seu ex-assessor de imprensa Ricardo Kotscho, cheia de chavão e voltada para os já convertidos. O velho e surrado populismo voltou à telinha da TV pela boca do presidenciável petista.

A disputa presidencial não se definirá pelo passado, mas sim pelo presente, sobre os quais os candidatos terão de se posicionar. Nesse terreno, Lula abusou do direito de errar. Reacendeu desconfianças dos militares, com quem o PT tem um contencioso desde quando não cumpriu o acordado na Comissão da Verdade. Mesmo sabendo disso, não mediu suas palavras ao anunciar que vai expurgar os 8 mil militares que ocupam cargos no Executivo.

Estrago maior fez nas suas relações com o mundo evangélico ao trazer para a disputa eleitoral o tema do aborto, fornecendo munição para ser atacado pela campanha de Jair Bolsonaro. Não dá para entender por que cometeu erro tão primário, quando se leva em consideração que Lula leu e recomendou às lideranças do PT o livro Povo de Deus, de Juliano Spyer. Nele, o autor esposa a tese de que a esquerda deveria estabelecer um diálogo com os evangélicos – ou seja, com um terço do eleitorado – com base no que é comum e sem estigmatizar seus valores.

Sobrou também para a classe média, acicatada desnecessariamente pelo caudilho do PT. No seu momento de Marilena Chauí, disse que tais camadas têm um padrão de vida ostensivo. Sobrou também para as “elites”, que acusou de ser escravagista.

Que passa, Lula?

Essa é a indagação até mesmo de membros do PT, abismados com o rol de declarações desastrosas do seu líder e por uma agenda antiga e estreita, voltada para suas bolhas: universidades, artistas, sindicalistas, onde o ex-presidente diz o que lhe vem na telha e ainda é aplaudido.

Não se sabe se age por destempero ou por uma estratégia calculada de congelar a polarização com Bolsonaro, na crença de que em um segundo turno o eleitorado e as forças políticas do centro inevitavelmente cairão no seu colo.

Em vez de trabalhar para diminuir o antipetismo que está enraizado em vastos setores da sociedade, retroalimenta tal sentimento. É um erro estratégico imenso, que pode se transformar em uma calamidade para sua campanha, quando a disputa eleitoral chegar à telinha.

Aí será tarde demais para Lula tomar consciência de que um Alckmin só não faz verão.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 13/4/2022. 

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