André Mendonça, ministro apadrinhado pelo presidente Jair Bolsonaro para o STF, decidiu legislar. Na sexta-feira, baixou normas para a Petrobras e estabeleceu alíquota única de ICMS sobre os combustíveis a ser praticada por todos os estados. Monocraticamente. A intervenção para agradar o chefe ocorreu na mesma semana em que veio à tona a esdrúxula proposta de emenda constitucional que confere ao Parlamento o poder de anular decisões do Supremo que não tenham aprovação unânime. Ou seja: se valesse a emenda bolsonarista apoiada pelo Centrão e assinada pelo deputado mineiro Domingos Sávio, do mesmo PL do presidente, ela, ironicamente, impediria o capachismo de Mendonça.
Dificilmente uma ideia tão bizarra – e claramente inconstitucional, por ferir cláusula pétrea da Carta de 1988 – vai encontrar ambiente para ser aprovada por dois terços da Câmara e do Senado por duas vezes, mínimo exigido para emendas desse tipo. Mas o que chama atenção é o caráter golpista da iniciativa, que também foi sonho de consumo do partido de Lula. Em 2011, o petista piauiense Nazareno Fonteles apresentou proposta similar, arquivada em 2019.
Mas tanto para Bolsonaro quanto para Lula, a PEC teria efeito escorpião, lançando veneno sobre seus interesses.
No caso de Bolsonaro, o apoio que ele dá à proposta de poder revisor é mentirinha pura. Algo feito só para espicaçar os ministros do Supremo. Até porque o presidente, em franca minoria na Corte, depende, desesperadamente, da atuação monocrática dos dois ministros que tem para chamar de seus: Mendonça e Kássio Nunes Marques. Conta com a lealdade canina deles.
Reportagem do jornal O Globo aponta que Marques tem conseguido vitórias expressivas com pedidos de vistas que paralisam julgamentos por tempo indefinido. Um exemplo: mais de 270 mil novas armas foram adquiridas por civis nos nove meses de “vistas” de Marques para analisar os processos sobre o tema. E ainda não há sinal de que ele vá liberar as ações para o plenário. Isso quer dizer que as causas bolsonaristas e o próprio presidente se beneficiam da ação de um só ministro, sem que os demais integrantes da Corte possam interferir.
Alvo preferencial da ira de Bolsonaro, que dia sim outro também diz que não cumprirá decisões judiciais que o desagradem, exemplificando com o marco temporal sobre terras indígenas, o Supremo também é saco de pancada do Congresso. Ali, governistas, tendo Arthur Lira, presidente da Câmara à frente, reclamam de interferências e ativismo judicial do STF, ladainha que se repete no Senado, casa que não poderia chorar, visto que é responsável pela aprovação ou rejeição (raríssima) dos ministros da Corte.
O mesmo STF inimigo número um de Bolsonaro já o foi de Lula. O atual decano, Gilmar Mendes, hoje incensado por petistas, no passado recente foi tratado como algoz. Edson Fachin chegou a ser tachado pelo PT como traidor. Virou herói pouco depois, quando, isoladamente, bancou a decisão da mudança de foro dos processos contra Lula, de Curitiba para Brasília. Na época da prisão do ex, militantes estrelados chegaram a defender restrições à atuação das instâncias superiores. Tinham ódio do TSE, que impediu a candidatura de Lula com base na lei da ficha limpa. Agora, adoram.
Não se pode negar o ativismo judicial do Supremo, parte dele estimulado pelo vácuo legislativo ou pelos abusos escancarados do Executivo. Nem mesmo as cores políticas impressas nos assentos, como em qualquer Corte integrada por juízes indicados pelo governo. É assim em todas as partes do mundo com sistema semelhante.
Mas justiça seja feita: também não se pode deixar de reconhecer que, mesmo com derrapadas e erros, o STF tem sido o principal esteio da democracia nestes tempos de trevas. Um ou dois sabujos não serão capazes de subverter essa máxima. Muito menos parlamentares servis que se movem por interesses espúrios ou um presidente do naipe de Bolsonaro.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 19/6/2022,