Sem liberdade não há educação

Na semana que marca o início do ano letivo no Brasil, a Procuradoria-Geral da República denunciou ao Supremo Tribunal Federal o ministro da Educação, Milton Ribeiro, pelo crime de homofobia. Em entrevista ao Estadão, o ministro declarou que a homossexualidade não é normal e a atribuiu a “famílias desajustadas”. Na mesma linha agrediu o magistério ao afirmar: “ser hoje professor é ter quase uma declaração de que a pessoa não conseguiu fazer outra coisa”. Não satisfeito, foi além e negou qualquer colaboração do MEC com o redes de ensino no enfrentamento dos reflexos da pandemia.

A atuação de Ribeiro se restringiu nestes dois últimos anos apenas a questões ideológicas e de costumes, se eximindo dos grandes desafios que são colocados para a educação em todo o planeta.

Preocupado apenas em agradar ao presidente Jair Bolsonaro, o ministro está inteiramente fora de sintonia das novas tendências educacionais. Em escala planetária, estamos no limiar de uma nova era. As mudanças em curso já têm impacto direto na forma como a sociedade se organiza. Na economia, na cultura, na maneira das pessoas se relacionarem, na política e na própria educação.

E ao novo se opõem forças deslocadas pelo furacão da história que tentam fazer a roda girar para trás, como se fosse possível voltarmos ao passado. É o caso do ministro e do presidente, ao defenderem a introdução do método fônico na alfabetização ou a teoria do criacionismo no ensino.

Vivemos em tempos aparentemente contraditórios. De um lado, o advento da Quarta Revolução Industrial cria oportunidades imensas para a humanidade equacionar suas mazelas. Haverá uma geração de riqueza suficiente para deixarmos para trás os problemas da fome, da migração desordenada, da degradação ambiental, das crises humanitárias. Por outro lado, a revolução tecnológica pode agravar a desigualdade e a iniquidade, se o excedente da riqueza gerada não for devidamente partilhado.

A inteligência Artificial possibilita livrar o homem do trabalho rotineiro e estafante, liberando-o para outras atividades e para tão sonhada busca da felicidade.  Pode, porém, ter efeitos devastadores, gerando um imenso exército expurgado do mundo de trabalho e da própria sociedade.

Como resposta regressiva à globalização ressurgem o xenofobismo, o racismo, a intolerância política, religiosa e racial; o separatismo, o ódio. Uma onda regressista e conservadora nos valores e costumes varre o mundo. E chegou ao Brasil: as brigadas que no país querem impor à educação o seu pensamento monolítico e monocrático, são manifestações do ativismo de surdos.

É nesse mundo instigante e ao mesmo conflitivo que temos o desafio de redesenhar a Educação para que ela seja contemporânea do seu tempo. E devemos fazê-lo em um país retardatário, cuja revolução educacional iniciou-se apenas no final do século 20 e ainda está inconclusa. Nosso desafio é duplo: zerar o passivo do século passado e ingressar na agenda educacional do século 21, para não perdemos, mais uma vez, o bonde da história.

A forma como se estruturava a educação é insuficiente para atender à agenda desse início do terceiro milênio.

Cada vez mais a escola é convocada a formar cidadãos e profissionais com espírito de liderança e de cooperação, que saibam atuar em equipe. Deles exige-se capacidade de articular as partes com o todo, também a capacidade de comunicação, de respeito à diversidade e rigoroso domínio de conteúdo específicos. Em um mundo onde o professor não tem mais o monopólio das informações e do saber, a grande missão do educador é ensinar o jovem a aprender, a pesquisar e ser capaz de discernir o certo do errado.

Impossível a educação formar esse cidadão em uma redoma de vidro, inteiramente descolada do mundo diverso e plural. A escola, para estar em sintonia com o mundo além de seus muros, tem, necessariamente, de ser pluralista e respeitar a diversidade. Como toda ciência, a educação requer um ambiente de liberdade, de tolerância, de respeito ao contraditório para poder se desenvolver.

O governo e o ministro cometem um grande crime contra a educação ao se furtarem a enfrentar os desafios da nova era e ao tentar impor um clima de obscurantismo e de caça às bruxas no ambiente escolar.

Podem até retardar os avanços, mas nem ele, nem o presidente conseguirão deter a roda da história. O século 21 seguirá sua marcha e a educação escreverá novas páginas, nas quais o obscurantismo, o preconceito e o negacionismo não estarão presentes.

O ministro Ribeiro, condenado ou não pelo STF, sequer terá uma nota no rodapé da história da educação brasileira.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 2/2/2022. 

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