Quem me conhece sabe que hoje tenho outra visão das coisas, é verdade, mas sempre levei tudo para o lado da brincadeira. Meu cérebro deve ter sido adubado com algum ingrediente que desconheço. Para cada acontecimento tenho uma “idéia perturbadora” e transformo tudo em gozação.
Esse jeito poderia me custar caro, mas já me salvou em várias situações em que a tragédia se transformou em boas gargalhadas, como poderão acompanhar abaixo.
Calma, pessoal, ainda não desistam. Deixem essa forca de lado, fechem a lata de veneno. Preparem um uisquinho e venham destilar mais esse da série “meu causo verídico”.
O ano era 1980. Meu irmão Caetano, que é um grande cara e estudava de tudo, naquele momento cursava fotografia, e teve uma brilhante ideia. No calor dessa fase fotográfica ele arquitetou com seu amigo Bob de ir a Miami comprar vários equipamentos, pois era mais barato, e facilmente encontraria os itens que queria. Meu irmão Benito, que sempre gostou de viajar, se interessou pelo passeio, mas com o propósito de rodar os States.
Eu, o caçula da tropa, não vivia uma fase de muito interesse na escola, só queria surfar e, quando não estava surfando, passava o dia pensando que estava. Concluindo: tinha acabado de levar pau no segundo colegial.
Em uma bela tarde no final da primavera, minha mãe me chamou para o cafezinho, e como eu sempre fazia, me posicionei de frente para a porta da cozinha e aguardei o café apreciando as árvores no quintal.
Ela chegou com o tradicional café, em copo americano e bem melado, pois não havia nada dessa frescura de cafés especiais, sem uso de produtos sintéticos e seguindo apenas influências cósmicas.
Para minha “surpreendente surpresa”, minha mãe, que era a xerife lá em casa, saiu com a seguinte pérola: “Acho que você deve ir pra os Estados Unidos com seus irmãos”. Quase caí da cadeira e achei que o açúcar tinha tomado sua mente!
Disse que falava aquilo muito a contragosto, por conta do meu desempenho escolar. Mas tinha conversado com meu pai e ele concordou com minha ida. Quase trincou a cadeira! Afinal, lá em casa tinha uma lei que se tomasse pau na escola não ganhava porra nenhuma.
Confesso que na hora eu nem me joguei no chão, gritando “não, não, isso não é justo, eu sou um ameaça à sociedade, repeti de ano e devo pagar minha sentença”. Me contive e apenas perguntei: com que dinheiro?
Vamos finalmente mexer na sua caderneta de poupança, disse ela. Caderneta essa que meus pais abriram na Caixa Econômica em meu nome quando eu tinha 6 anos, pensando em garantir meus futuros estudos. Provavelmente, com base no meu interesse escolar, pensaram: “Vamos destinar esse dinheiro para outro fim, porque em escola com esse cara será um tiro no pé”.
O gerente era conhecido como Seu Lobão – daqueles gerentes que faziam carreira de 200 anos no banco e mandavam em tudo, exceto nas sobrancelhas dele, no melhor estilo coqueiro, que saiam para todo lado e por cima dos óculos.
O cara era o dono da agência. Se eu chegasse com bananas de dinamite presas na cintura, o Lobão falava pro segurança: “Deixa o menino entrar, conheço ele desde que nasceu”. Pensar que hoje só temos gerente Mister M, que fica três meses em cada agência e desaparece quando começa a criar vínculo com o cliente. Hard times…
Enfim…Após muita aventura, fotos 5×7 com uma cartolina imitando um paletó, passaportes, compra de travellers checks, visto americano e a compra de uma mala que batizei de “alegorias no Ceará”, acabamos viajando em dezembro, alguns dias após morte do John Lennon.
Detalhe que ficará para nosso próximo encontro é o fato de minhas viagens coincidirem com alguma morte ou crime brutal recente.
Mas, chegando lá (em Miami, para quem não lembra mais o que estava lendo), foi tudo lindo. Nos primeiros dias fizemos compras, minha roupa de borracha para surfe, um All Star e todos os equipamentos de fotografia em downtown. Depois de cheios de lentes, filtros, baterias, rebatedores e a tão sonhada câmera Nikon profissional, seguimos para Orlando/Disney de carro.
Um Caprice Classic quadradão marrom metálico, mais triste que eclipse em janela de presidio. De redondo ali só as rodas – e ainda bebia mais que o Mussum.
Suponho que o cara que desenhou o carro só tinha um lápis e uma régua, mas seu porta malas era o sonho de qualquer mafioso.
Na Disney bateu aquela fome e uma sede brutal. Afinal, os músculos estavam tensos entre filas eternas e atrações sem graça. Entendam, eu já tinha quase 16 anos e não ia me contentar em girar naquelas xícaras. Eu queria atrações com um pouco mais de emoção, como o globo da morte com os motociclistas empunhando motosserras ligadas no máximo.
Fizemos uma pausa. Caetano gentilmente foi comprar cheeseburger e Coca para nós dois (mais uma fila). Voltou com uma bandeja nas mãos e acabou virando um copão de 500ml de Coca com gelo inteiro na Nikon zerada que estava pendurada no pescoço e bem na altura da bandeja que ele carregava. Eu assisti a cena de longe em câmera lenta.
O cara ficou branco e soltou seu costumeiro mantra: Puta que pariu!
Imediatamente a câmera não funcionava mais, travou e não virava o filme. Ele ficou putissimo, xingou Jesus, a cruz e o pregos. Ainda se não bastasse nada, ele imaginava perder todas fotos já tiradas, e não poderia fotografar mais nada até o fim daquele que seria um interminável dia.
O clima de terror se espalhou naquela mesinha. O Bob e o Benito não tocavam no sanduíche e olhavam ao redor aguardando a pressão atmosférica voltar a níveis aceitáveis. Eu olhava a bandeja e via apenas uma Coca sobrevivente. Nesse momento tive uma daquelas presenças de espírito infames que comentei no início do texto.
Queria fazer a paz voltar a reinar naquele parque, mas como, sem correr risco de vida? Ai eu com meu jeito irreverente, gozador, bem fdp e morrendo de sede, levantei o dedo e perguntei:
Caetano, só para esclarecer: a Coca que você derrubou era a sua, né?
Quase levei uma cadeirada no crânio, mas bastou para todos racharem o bico e quebrar o gelo. Foi a parte mais divertida do dia e assim viveram felizes para sempre….
Sou assim até hoje e acredite que ainda nunca fui alvejado!!
Mas e quem toca o baixo? Ou melhor, que fim tiveram as fotos? E a Nikon??
Descobri que Deus existe, a Nikon foi direto para autorizada aqui no Brasil, fizeram uma limpeza e ficou zerada.
Revelamos o filme e as fotos estavam lá. Todos magros e jovens!
Bons sonhos!
Junho de 2022
Texto muito divertido. Parabéns pela criatividade e bom humor
Sensacional meu amigo .
Mais uma excelente leitura .
Me fez lembrar do seu quintal , brincamos muito lá .
Abraços
Hilária essa história Fabio, me lembrar muito de minha primeira vez nos Estates na Disney World!
História com cara de Fábio de Domenico…
Adorei!!!
Fabio, como é bom ler suas crônicas tão agradáveis, bem escritas, bem humoradas e oportunas nesse momento onde o mundo está virado de cabeça pra baixo e os valores até mesmo invertidos. Parabéns!
que bom que você não usou o bordão nipônico (acho que é essa a classificação, me corrijam) do “eu não mereço, pois sou uma vergonha pra família” E será que não foi o Sr. Ismael que desenhou o Classic?
Muito bom Fábio
No final tudo deu certo kkkkk.
Hahahaha muito bom!
Estão em falta Sr. Lobão hoje nas agências hoje em dia.
Fábio um eterno gozador ! Adoro o jeito dele contar os “causos “… continue firme e forte. Abs
Sensacional! Esse é o meu amigo, Fábio! Privilégio ter sua amizade! Texto divertido e bem escrito
Adorei essa história, Fabio! Muito interessante e divertida. Eu imaginei as cenas, e as expressões de cada um de vocês, conforme seu relato.
Você coloca as situações de forma simples, clara e leve. Leitura gostosa e com detalhes inesquecíveis. Parabéns! Beijão.
Muito legal Fabio !
Vc sempre foi muito bom para contar e relatar as suas histórias .
Passamos muitos finais de semanas curtindo em nossas viagens de surf .
Tenho algumas que estão guardadas que eu vou levar até o final da minha vida .
O interessante que com seu relato eu consigo voltar no tempo e
reviver na partes de usar o dinheiro da minha CADERNETA de POUPANÇA na CAIXA ECONÔMICA que meus país tinham feito pra mim quando eu comecei a trabalhar , e muitas outras ,
quando ACAMPAMOS na praia de MARESIAS e várias outra que fizemos juntos nessa passagens das nossas vidas . Não vou conseguir relatar todas aqui porque não consigo nesse momento .
Vc conseguiu me emocionar por um momento de forma gostosa e prazerosa aqui na minha loja trabalhando .
Vamos ver se conseguimos conversar pessoalmente tomando aquele whisky escutando músicas .
Espero que vc entenda a forma que eu escrevi , vc sabe não sou bom que nem vc pra isso .
Amigos para sempre ! ! ! ✌️
Parabéns Fábio,,conhecendo você e seus irmãos bem eu consegui imaginar a cena da Coca Cola e o Caetano,sensacional seus textos,gostaria que uma hora você escrevesse sobre as bixigas de água que eram jogadas da janela de um prédio em Santos em eventos religiosos…..histórico…abs
Já conhecia essa estória, meu amigo! O que os seus e meus pais não faziam pela gente naquela época, inesquecível, diga-se de passagem? Não é mesmo?!
Continue contando para todos, mundo afora, pois você tem o talento e bom humor necessários. Além disso, que maravilha eram nossas vidas lá pelos anos 70 e 80, não é?! Grande abraço do seu amigo de infância!